sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

FRATERNIDADE E JUVENTUDE

Parte 1 - Na íntegra escrito pelo Pe. Gilberto Tomazzi



Introdução
A Campanha da Fraternidade acontece anualmente no período da Quaresma e convoca a própria Igreja e todas as pessoas, comunidades e a sociedade à conversão, à prática da caridade e da oração. Ela procura despertar a solidariedade dos fiéis católicos e de toda a população em relação a um problema concreto que envolve a sociedade brasileira, buscando, à luz da Palavra de Deus, caminhos de solução. A cada ano é escolhido um tema e um lema, que apontam para os objetivos, a mística e os caminhos da campanha. Lançada em 1962 e Coordenada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Campanha da Fraternidade tornou-se especial manifestação de espiritualidade e evangelização libertadoras, provocando, ao mesmo tempo, às pessoas, o encontro pessoal com Jesus Cristo, a renovação da vida da Igreja e a transformação da sociedade, a partir de problemas específicos, tratados à luz do Projeto de Deus.
Em 1992, o tema Juventude, Caminho Aberto já havia discutido e refletido sobre a inclusão dos jovens na evangelização. A Campanha da Fraternidade deste ano de 2013 tem como tema “Fraternidade de Juventude” e como lema “Eis-me aqui, envia-me” (Is. 6,8). Trata-se de uma compreensão ampla e diferenciada, estrutural e dinâmica, que considera a diversidade de realidades e comportamentos juvenis, sugere um olhar sobre jovens da atualidade considerando aqueles cujos registros aparecem na Bíblia Sagrada e na História da Igreja, valoriza o protagonismo juvenil e também oferece indicações de ações transformadoras da realidade juvenil e das situações sociais que clamam por mudanças. A CF 2013 retoma o tema Juventude e se propõe olhar a realidade dos jovens, acolhendo-os com a riqueza de suas diversidades, propostas e potencialidades. No contexto do Ano da Fé e da Jornada Mundial da Juventude, esta Campanha deseja mobilizar a Igreja e, os segmentos da sociedade a se solidarizarem com os jovens, a reconhecerem a voz de Deus que fala através deles, a assumir com eles compromissos e iniciativas na edificação de um mundo melhor.

  1. VER A REALIDADE
Conceitos e estudos
O documento mais importante da Igreja no Brasil sobre juventude, cujo título é “Evangelização da Juventude” (2007) entende a juventude como “a fase do ciclo da vida em que se concentram os maiores problemas e desafios, mas é, também, a fase de maior energia, criatividade, generosidade e potencial para o engajamento”.  Ao delimitar a juventude dentro da faixa etária dos 15 a 29 anos, tem-se a quarta parte da população brasileira, segundo o IBGE são cerca de 50 milhões. Essa faixa etária alcançou o seu auge na década de 1980, pois a taxa de natalidade nos últimos 30 anos diminuiu ano após ano.
O tema juventude tem ganhado muito espaço nos últimos anos. O início deste período de maior interesse pela juventude foi em 1985, com o “Ano Internacional da Juventude”, criado pela Organização das Nações Unidas e reforçado, uma década depois, com o Programa de Ação Mundial para Jovens, em 1995. A partir disso, a temática da juventude ganhou mais expressão na mídia, nas universidades e nas organizações sociais e populares. A previsão de aumento da população juvenil na América Latina, no final do século passado, foi outro elemento importante nesse cenário. O crescimento populacional e a ascensão da juventude como ator social e político foi gerando um grande volume de reflexões sobre juventude que presenciamos atualmente.
Atualmente multiplicaram-se os estudos e escritos sobre juventude, mas ainda não existe uma teoria geral da juventude. Em geral, devido à diversidade de realidades juvenis, fala-se mais em juventudes, entendendo assim que jovens não são apenas aqueles apresentados pela mídia, como símbolos de consumo, beleza, vigor, saúde e liberdade, mas também muitos outros, como aqueles que se encontram à margem da sociedade, aqueles que sofrem por causa do gênero, da etnia, da classe, do local aonde residem. Sabe-se que não existem apenas realidades socioeconômicas, mas também culturais e comportamentais a serem consideradas. Se é verdade que muitos jovens tem atitudes violentas, apáticas, consumistas ou desinteressadas, também é verdade que muitos outros são responsáveis, batalhadores, éticos, dedicados e protagonistas na edificação de uma sociedade melhor. Não há apenas uma realidade da juventude e, também “a realidade” dos jovens não é a mesma vivida pelo restante da população. As pesquisas demonstram que os jovens continuam mais do que os “não jovens”, sujeitos a limitações e vulnerabilidades, especialmente no que tange ao acesso ao conhecimento, à saúde, à segurança, à renda, enfim, ao desenvolvimento e à qualidade de vida.
A juventude diante do atual processo de globalização
O atual processo de globalização, regido por políticas neoliberais, afeta a juventude de maneira violenta. Afirma-se que os maiores problemas enfrentados hoje pela juventude são, na seguinte ordem: disparidade de renda, acesso restrito à educação de qualidade e outros problemas relacionados à educação escolar, desemprego; drogas; problemas com as pessoas mais próximas; falta de vagas para aprendizes e de qualificação para o mundo do trabalho; medo do futuro e falta de perspectivas; grupos de violência e criminalidade, banalização da sexualidade, mortes por causas externas (acidentes de trânsito, homicídios...), limitado acesso a atividades esportivas e culturais, exclusão digital. O Texto Base fala dos “milhões de jovens vitimados pela violência estrutural de nossa sociedade, que deixam de ser atores, protagonistas de suas próprias vidas e da história, para se somarem aos números desoladores das pesquisas sobre morte de jovens no país. Este cenário repugnante de violência institucionalizada conclama ações e mobilizações para a superação dessa situação.”
No Brasil, o elevado índice de concentração de renda se apresenta como o principal aspecto gerador de vulnerabilidade e exclusão da juventude. Em relação à participação política, em geral, pode-se afirmar que há um processo de despolitização que pode ser constatado no mundo inteiro. A falta de espiritualidade, de senso religioso, tem levado a um aumento da corrupção, da imoralidade na política e a uma decadência dos partidos políticos, sendo uma das instituições mais questionadas nessa primeira década do novo milênio. O descrédito em relação às instituições políticas e aos partidos é uma característica dos jovens. O rápido processo de urbanização trouxe consigo a necessidade de empregos e capacitação profissional, levando os costumes e a forma de organização e constituição familiar a mudanças drásticas. Emerge o jovem indivíduo-egoísta no meio da multidão, com suas crises por viver sozinho no meio da multidão, e para responder a essas crises criam-se inúmeras formas de grupos e ritos grupais ou comunitários.
Objetivos e lema
É a partir dessa conjuntura social que a Igreja assume, nesta Campanha da Fraternidade, o objetivo de “acolher os jovens no contexto de mudança de época, propiciando caminhos para o seu protagonismo no seguimento de Jesus Cristo, na vivência eclesial e na construção de uma sociedade fraterna fundamentada na cultura da vida, da justiça e da paz.” Com este objetivo, a Igreja está procurando ajudar os jovens na elaboração do seu projeto pessoal de vida, que considere a importância do encontro pessoal com Jesus Cristo, a participação efetiva e ativa na sua comunidade eclesial e o protagonismo juvenil da construção de uma nova sociedade, a civilização do amor e do bem comum. O lema escolhido "eis-me aqui, envia-me"(Is 6,8) ressalta o reconhecimento da parte da Igreja do valor do jovem, provocando neles este compromisso de serem protagonistas e comunicadores da vida e da verdade que liberta os filhos e filhas de Deus de todas as amarras, escravidões, condicionamentos. Esse lema expressa a voz forte do jovem que, repleto de esperança e de auto-estima, se coloca à serviço de todos nós e nos ajuda a navegarmos em águas profundas na busca de um mundo melhor, de pessoas mais justas, humanas e solidárias.
Mudança de época
O contexto atual é marcado por intensas e profundas mudanças. Especialmente as mudanças culturais são as que mais afetam toda a humanidade. As tradições e costumes são questionados. Emergem inúmeras interpretações a respeito das realidades humanas e sociais, e as grandes teorias do passado perdem sua força estruturadora do pensamento. As religiões e os valores morais e éticos que antes derivavam delas sofrem duras críticas e questionamentos por parte de alguns e indiferença por parte de outros. O mundo das diferentes formas de comunicação sociais, geralmente carentes de conteúdo e faltando com a verdade, dominam as mentes humanas. O atual sistema econômico neoliberal fez com que aumentassem as diferentes formas de violência contra os ser humano e contra o meio ambiente; as relações humanas baseadas na gratuidade e no amor são substituídas pelo utilitarismo e pelo egoísmo, são instrumentalizadas pela lógica do mercado, do lucro. Mercantiliza-se inclusive a sexualidade, pessoas são assassinadas para alimentar o tráfico de órgãos, e, a vida humana como um todo padece uma crise de sentido. O avanço científico e tecnológico é uma realidade, mas grande parte da humanidade não consegue acompanhar esses avanços e fica atordoada ou desnorteada, incapaz de responder e de interpretar as novas situações e realidades emergentes. Tudo isso tem gerado uma crise de sentido, um empobrecimento da consciência do mistério do ser humano, uma relativização da vida e da dimensão de futuro, de esperança, os laços comunitários se fragilizaram, a vida sofre por causa de inseguranças e ameaças, legaliza-se o aborto e banaliza-se a vida. As instituições responsáveis para defender a vida, exploram, massacram, violentam, multam, cobram altas e múltiplas taxas de impostos, corrompem o ser humano, excluem os mais pobres e promovem a morte do corpo, da mente e da alma.
É sentindo na própria pele esse contexto, na esperança de outro mundo possível, que muitos jovens passam a ter atitudes éticas e responsáveis na família, nas comunidades, instituições diversas, órgãos públicos, atuando de maneira transformadora da sociedade. Na primeira parte do texto base da Campanha da Fraternidade, a CNBB fala de uma mudança de época na qual o jovem é protagonista. Hoje a atuação social da juventude é bem diversificada. Sabe-se que já não são apenas os campos sindical e da política partidária que podem transformar a sociedade. O esporte, a arte, a música e a religião passaram a ser ferramentas cada vez mais importantes para reunir jovens em grupos, não apenas na perspectiva do lazer mas também na da organização, da cooperação, da mobilização política, da cidadania, da espiritualidade e da solidariedade. São inúmeros os grupos que reúnem adolescentes e jovens para a integração, a formação, a socialização e a criação de novas identidades, e para expressarem-se, demonstrando suas habilidades, aprendizagens, competências, criatividade, por meio das mais diversas linguagens artísticas e meios de comunicação: música, grafite, teatro, dança, poesia, rap, canto, dança, rádio... Esses grupos, geralmente passam a denunciar as condições de vida enfrentadas, colocam demandas específicas, exigem políticas públicas e procuram construir alternativas de vida. Outrora o jovem era visto como problema, como alguém que precisava de ajuda, como alguém que ainda não era adulto; hoje ele passa a ser reconhecido como agente de desenvolvimento, sujeito de direitos e como ator social, protagonista na edificação de um mundo melhor.
Os jovens participam de iniciativas eclesiais
As expressões religiosas se constituem no principal espaço de agregação e socialização de jovens no Brasil. Nos dados do IBGE (2010) o “temor a Deus” aparece entre os quatro valores de maior importância para os jovens. No Brasil existem muitas e variadas formas de grupos e organizações juvenis: dos estudantes, das Pastorais da Juventude (PJs), movimentos de juventude cristã, grupos de Igreja que se articulam em torno da cultura, da ecologia, da sexualidade, da prevenção contra doenças sexualmente transmissíveis, em torno de ideais e valores étnicos, éticos ou de cidadania, das associações de bairros, de esportes, para promover a caridade e a solidariedade, e, inclusive para participar de sindicatos e da política partidária. Pipocam inúmeras iniciativas heroicas que vão desde a busca de felicidade pessoal e grupal, a busca de santidade, participação efetiva na vida em comunidades de fé, atividades missionárias em regiões distantes, até a busca de cidadania, de políticas públicas para a juventude e inclusive da revolução social.
A Igreja valoriza as redes sociais de jovens via internet
O Texto Base destaca as redes sociais de jovens via internet. Uma parcela significativa da juventude continua sem acesso a computador com internet. São os excluídos digitais. Outra parcela se utiliza das redes sociais para praticar crimes e atos ilícitos, para entrar no mundo das drogas, da pornografia e da profanação da vida, para defenderem ideologias fundamentalistas, fanatismos, preconceitos, bulimia, anorexia e tantas outras formas de violência e destruição da dignidade humana e dos valores da família e da religião. Todavia, é interessante notar que o avanço tecnológico e a constituição de redes sociais de jovens via internet geralmente não impedem mas, ao contrário, promovem atitudes de fé, de busca do sagrado, de crença em Deus, de atividades religiosas, de valorização do simbólico e do espiritual. Diz o texto: “a internet é hoje um ambiente, um lugar em que os usuários compartilham experiências, fazem pesquisas, mantem contatos, realizam as mais diversas atividades.” Para a Igreja a utilização das redes sociais deve aproximar os jovens da missão de evangelizar, devem ser um “lançar as redes em águas mais profundas”. A Igreja chama os cristãos a fazer dessas redes “um lugar de comunhão, de encontro entre pessoas que buscam a mensagem de Deus com aquelas que as ajudam a encontrá-la.”
Potencial juvenil na busca de um mundo melhor
Pensando na possibilidade de transformar o mundo, cerca de metade dos jovens brasileiros manifestam o desejo de participar principalmente em associações comunitárias ou profissionais, em entidades ligadas à defesa do meio ambiente, contra o racismo, de assistência social ou ainda nos conselhos de educação e de saúde. Existe uma ampla diversidade de formas de atuação coletiva de jovens. Mesmo tendo sido instituído no Brasil o Conselho Nacional de Juventude e tendo acontecido recentemente as Conferências de Juventude, permanece o grande desafio à esfera pública de criar mecanismos de apoio, participação e reconhecimento da diversidade de formas de atuação dos jovens, estimulando e garantindo o protagonismo juvenil na política, nos processos públicos de efetivação de direitos, desde o levantamento das demandas, elaboração e efetivação de políticas públicas, até a fiscalização e avaliação.
Enfim, pode-se afirmar que potencial juvenil não falta. Os jovens, graças à elevação dos níveis educacionais e por serem mais flexíveis às mudanças, são mais capazes de aproveitar as transformações trazidas pelas novas tecnologias; possuem um potencial que os torna atores estratégicos do desenvolvimento nacional. Destaca-se, entre os jovens, uma grande abertura aos valores de solidariedade social, responsabilidade ambiental e atuação em movimentos que exigem mudanças éticas, sociais e políticas, como foi o caso da campanha pelas Diretas Já, dos “Caras Pintadas”, do Movimento Contra a Alca, do movimento pelo Passe Livre, do abaixo assinado contra a corrupção eleitoral e pela ficha limpa, entre outras.
A opção pelos jovens e o compromisso da Igreja, desde o Documento de Aparecida
Enquanto Igreja, é preciso abrir espaços de diálogo sobre direitos e deveres dos jovens, permitindo a sua atuação e engajamento efetivo nas comunidades e pastorais e, cuidando para que não haja fechamento das comunidades e desmotivação, aos jovens, por parte dos adultos que, em não poucos casos, impendem ou dificultam a participação deles. O Texto Base conclui a parte do Ver assim: “lamentamos as realidades em que lideranças adultas não garantem o acompanhamento e o apoio necessário aos agrupamentos juvenis. Esse acompanhamento é extremamente necessário para garantir processos de educação na fé que conduzam à maturidade cristã.”
Na próxima edição do Jornal Fonte serão apresentadas, resumidamente, as partes do Julgar e Agir do Texto Base da CF 2013. Todavia, apenas para recordar, o Documento de Aparecida, de forma breve (nº 446), sugeriu “algumas linhas de ação” da Igreja para com a juventude. São elas:
  1. Renovar (em estreita união com a família) a opção preferencial pelos jovens, dando novo impulso à Pastoral da Juventude nas comunidades eclesiais;
  2. Estimular os Movimentos eclesiais, convidando-os a colocar mais generosamente suas riquezas carismáticas, educativas e missionárias a serviço das Igrejas locais;
  3. Propor aos jovens o encontro com Jesus Cristo e seu seguimento na Igreja que lhes garanta a realização de sua dignidade, os estimule a formar sua personalidade, lhes proponha uma opção vocacional e os introduza na oração pessoal, na Lectio Divina, na frequência aos sacramentos, na direção espiritual e no apostolado;
  4. Privilegiar, na Pastoral da Juventude, processos de educação e amadurecimento na fé como resposta de sentido e orientação da vida e garantia de compromisso missionário;
  5. Implementar uma catequese atrativa para os jovens introduzindo-os no conhecimento do mistério de Cristo e mostrando-lhes a beleza da Eucaristia dominical;
  6. Uma verdadeira Pastoral da Juventude ajudará os jovens a se formarem, de maneira gradual, para a ação social e política e a mudança de estruturas, conforme a Doutrina Social da Igreja, fazendo própria a opção preferencial e evangélica pelos pobres e necessitados:
  7. Urgir a capacitação de jovens para que tenham oportunidades no mundo do trabalho e evitar que caiam na droga e na violência;
  8. Procurar maior sintonia entre o mundo adulto e o mundo juvenil nas metodologias pastorais;
  9. Assegurar a participação dos jovens em peregrinações, Jornadas nacionais e mundiais da Juventude com a devida preparação espiritual e missionária e a companhia de seus pastores.
Pe. Dr. Gilberto Tomazi

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