quarta-feira, 27 de julho de 2022

OMS declara varíola de macacos como emergência de preocupação: o que isso representa?


A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o surto de varíola de macaco (hMPXV: Human Monkeypox Virus - sigla em inglês) como uma emergência de preocupação internacional. A doença viral foi identificada na década de 1970, na República Democrática do Congo, tornou-se endêmica na África Central e África Ocidental, mas pela primeira vez tem um surto de abrangência global.

A classificação como emergência de preocupação seria uma etapa anterior à definição de uma emergência sanitária global, que significaria o descontrole dos contágios em todos os continentes. Até o dia 20 de julho, já acumulavam 19.188 casos em 75 países do mundo, de acordo com a OMS.

"Essa categorização serve para criar protocolos para que os países se organizem de acordo com as classificações. O ser humano é um hospedeiro eventual, acidental, por isso não acreditamos que será um surto tão importante do ponto de vista epidêmico, como foi com o sars-cov2", explica Patrícia Beltrão Braga, professora do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.

"Com as ferramentas que temos até agora podemos evitar a transmissão da varíola e controlar esse surto. É essencial que todos os países próximos a comunidades afetadas adotem medidas que protejam a saúde, os direitos humanos e a dignidade", disse o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus

Embora o número de casos e países com surtos de varíola pareça estar aumentando, a avaliação de risco da OMS não mudou desde a primeira reunião do Comitê de Emergência do Regulamento Sanitário Internacional (RSI), em 23 de junho de 2022, e o risco é considerado "moderado" a nível global, exceto na região europeia, onde é considerado "alto".

Na Espanha, o risco de reprodução é de 1,8, no Reino Unido de 1,6 e em Portugal de 1,4. O período médio de incubação entre os casos relatados é estimado entre sete e nove dias.

Na América Latina, os primeiros casos foram registrados em maio. Em junho, a Organização Pan-americana da Saúde (Opas) divulgou diretrizes para orientar equipes médicas a realizar exames de detecção e ajudar a rastrear os contágios.

No Brasil já existem 696 infecções confirmadas, a grande maioria no estado de São Paulo com 506 casos, seguido do Rio de Janeiro com 102 doentes, 33 em Minas Gerais, 13 do Distrito Federal, 11 do Paraná, 14 em Goiás, três na Bahia, dois do Ceará, três do Rio Grande do Sul, dois do Rio Grande do Norte, dois do Espírito Santo, três de Pernambuco, um de Mato Grosso do Sul e um de Santa Catarina.

"Nós temos um surto de varíola, que se dispersou rapidamente pelo mundo com novas formas de transmissão sobre os quais ainda entendemos pouco e sobre os quais aplicamos os critérios de regulação internacional. Por todas essas razões, declaramos a varíola como uma emergência de saúde pública e de preocupação internacional. É um surto que pode ser contido com as estratégias corretas aplicadas nos grupos certos", declarou o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Para o presidente do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), Nésio Fernandes, o Brasil comete os mesmos erros com a pandemia da covid-19, com a falta de testes e de uma política coordenada.

A médica epidemiologista e diretora Instituto de Medicina Tropical Pedro Kouri (Cuba), Yanaris López, concorda que é momento de adotar protocolos de contenção. "Se não tomarmos as medidas necessárias nas portas de entrada, irá acontecer o mesmo que vivemos agora com a covid-19, talvez com outra intensidade, mas é preocupante", afirmou em entrevista ao Brasil de Fato.


Sintomas e transmissão

De acordo com estudos preliminares do New England Journal of Medicine, que analisou amostras de 520 infecções em 16 países, de abril a junho de 2022, em 95% dos casos o vírus foi transmitido através de relações sexuais. No entanto, a doença não pode ser prevenida com o uso de preservativos porque o contágio acontece no contato com secreções de lesões na pele da pessoa contaminada ou por gotículas de saliva liberadas ao falar, beijar, tossir, espirrar. Da mesma forma, objetos que tenham contato com a secreção de pessoas infectadas também podem armazenar o vírus ativo.

Apesar das evidências, os modos de transmissão que sustentam o surto atual não são totalmente compreendidos.

"Se você tiver suspeita de infecção, deve usar máscara para evitar liberar os perdigotos, que são gotículas de saliva. Mesmo que não percebamos, enquanto falamos, estamos eliminando essas gotículas que podem conter o vírus da varíola do macaco ou qualquer vírus. Então é isso: usar máscara, evitar o contato com outras pessoas, sempre lavar as mãos. Se há uma pessoa infectada em casa, o ideal é que se isole tudo o que ela estiver usando para não infectar outros indivíduos. São coisas básicas que já aprendemos com a covid-19", explica a especialista em microbiologia, Patrícia Beltrão Braga.

A infecção pode ser confirmada pelo método PCR, que detecta o vírus a partir da amplificação do DNA. A Opas está se esforçando para viabilizar a disponibilidade dos testes. A Fiocruz vem produzindo controles positivos, que são importantes para atestar a confiabilidade dos kits PCR.

A doença veio parar aqui não pelos macacos, mas porque uma pessoa contaminada o trouxe.

Os sintomas mais comuns são febre, fadiga, dor de cabeça e dores musculares. Após o início da febre, em até cinco dias, podem aparecer manchas vermelhas e lesões na pele, que provocam coceira. Já no estágio avançado da doença, pode haver aumento de gânglios na região cervical e inguinal, com úlceras que emitem secreção até que a lesão forme casca e cicatrize.

A pessoa só deixa de transmitir o vírus quando a pele está completamente cicatrizada.

"A doença se chama varíola de macaco, mas o principal portador da doença não são os macacos, são roedores. Assim como já aconteceu na febre amarela, em algumas regiões do Brasil, as pessoas estão envenenando macacos com medo de pegar a varíola. As pessoas precisam entender que o animal não está contaminado, quem está contaminado é o ser-humano. A doença veio parar aqui não pelos macacos, mas porque uma pessoa contaminada o trouxe.Você só vai pegar varíola de macaco se você entrar em contato com alguém que tem a doença. Não existe outra maneira de se contaminar. Não há um vetor, como um mosquito que pica alguém aqui e pode voar e levar o vírus pra longe", explica Braga.

Não há tratamento específico, mas os quadros clínicos costumam ser leves, sendo necessários o cuidado das lesões. O maior risco de agravamento se refere, em geral, a pessoas imunossuprimidas, como pacientes com HIV/AIDS, leucemia, linfoma, metástase, transplantados, pessoas com doenças autoimunes, gestantes, lactantes e crianças com menos de 8 anos.


Protocolos da OMS

Pela falta de doses suficientes, a OMS estabeleceu um protocolo para o início das campanhas de vacinação.

Para Estados que não tiveram registros de doentes nos últimos 21 dias, a Organização recomenda aumentar as campanhas de conscientização sobre a doença e intensificar a vigilância epidemiológica com testes de diagnóstico "acessíveis e precisos".

Nos países em que foi houve um surto entre animais, mas não se identifica o contágio entre humanos, a OMS sugere a criação de equipes multidisciplinares de Saúde Única entre especialistas de saúde e de zoonoses.

Já os Estados que registraram os primeiros casos de varíola dos macacos, o organismo sugere implementar uma política de ação rápida para interromper a transmissão entre humanos, isolando as pessoas infectadas, rastreando possíveis contágios e realizando testes para determinar o sequenciamento genômico do vírus.

Nestes casos, a OMS também orienta considerar o uso da vacina como medida de profilaxia para tratar pacientes contaminados.


No mesmo relatório, do Comitê de Emergência do Regulamento Sanitário Internacional (RSI), os especialistas ressaltam a importância de que Estados com capacidade de fabricação de vacinas trabalhem em conjunto com a OMS para fornecer imunizantes e outros suprimentos necessários de acordo com as "necessidades de saúde pública".

A diretora do Instituto Pedro Kouri de Cuba ressalta a importância da integração regional para fazer frente à nova emergência sanitária. "Temos que conseguir que todos os países da América Latina se unam. Não somente para políticas econômicas, mas também para ações de prevenção e de conhecimento científico. As fortalezas de um país podem ser oportunidades para outro. Independente das convicções políticas, sempre temos coisas que se parecem, e o que importa é o povo. O que é fundamental é implementar medidas que cuidem da saúde do povo", disse Yanaris López.

A OMS indica a urgência de "fazer todos os esforços para usar vacinas existentes ou novas contra a varíola dos macacos dentro de uma estrutura de estudos colaborativos, usando métodos de projeto padronizados e ferramentas de coleta de dados para estudos clínicos e de resultados".

Fonte: Brasil de Fato

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