São Paulo – O aval do governo de Jair Bolsonaro à compra de vacinas contra a covid-19 por empresas é a “oficialização do fura-fila”, segundo Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Em entrevista ao Jornal Brasil Atual nesta quarta-feira (27), Pigatto condenou a aquisição de imunizantes pelo setor privado por prejudicar o enfrentamento da pandemia ao desconsiderar os grupos prioritários.
O apoio à compra de vacinas por empresas tornou-se público no início desta semana, após a revelação pela imprensa de uma carta enviada pelo governo de Jair Bolsonaro à fabricante AstraZeneca. No documento, a União autoriza a aquisição de um lote de 33 milhões de doses de vacina a um grupo de grandes empresários que, em contrapartida, deveria doar metade do lote ao Sistema Único de Saúde (SUS).
À CNN, o presidente Bolsonaro ainda confirmou que desde o ano passado está aberta essa negociação. E acrescentou que “o governo continua estimulando”. Nesta terça (26), no entanto, a AstraZeneca divulgou que não iria disponibilizar doses do imunizante para as empresas. Responsável pela produção da vacina de Oxford, que tem acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e é aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o laboratório destacou que seus acordos foram firmados com “governos e organizações multilaterais ao redor do mundo”.
“Incluindo da Covax Facility (aliança internacional para o desenvolvimento de vacinas), não sendo possível disponibilizar vacinas para o mercado privado”, ressalta trecho da nota.
Governo de minoria
No mesmo dia, a Pfizer também se pronunciou, negando a possibilidade de venda ao setor. Em comunicado, a farmacêutica ressaltou que “trabalha com a colaboração de governos em todo mundo”. E que a vacina contra a covid-19 “é um bem que deve ser oferecido à população em geral”, frisou.
O presidente do CNS lamentou que coube aos laboratórios adotar uma posição que deveria ser do próprio governo brasileiro. “É um governo ultraneoliberal, que tem um sentido de estar aí. Ele tem um compromisso que não é com a maioria da população brasileira, mas com a minoria privilegiada. Inclusive uma minoria que enriqueceu ainda mais com a própria pandemia”, criticou Pigatto.
Entre os grupos de empresas está a siderúrgica Gerdau. Ao jornalValor Econômico, a Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM), que é contra a compra pelo setor privado, comentou que não foi consultada sobre o plano da empresa. Além dela, também foram convidados a integrar a iniciativa privada Ambev, Itaú, JBS, Santander, Vivo e Vale. Mas, segundo aFolha de S. Paulo, essas companhias declinaram ou desistiram de participar das tratativas. Parte delas porque defendem que todas as doses devem ser doadas ao SUS.
Oficializando o fura-fila
O presidente do CNS adverte que o processo de compra de imunizantes pela iniciativa privada agravaria a desigualdade e romperia com o que está definido no Plano Nacional de Imunizações (PNI), já considerado “incompleto” pelo conselho.
“Tem vários grupos prioritários que não estão no plano. Então obviamente que estariam oficializando o ‘fura-fila’, como a gente diz. O que prejudicaria a própria questão de enfrentamento da pandemia no que diz respeito aos grupos mais vulnerabilizados pela pandemia. Não é por acaso que estão os indígenas, quilombolas, trabalhadores da linha de frente da saúde, os idosas que estão institucionalizadas, as pessoas com mais de 75 anos, e assim sucessivamente. É porque tem uma lógica, algo estudado”, ressalta Fernando Pigatto na Rádio Brasil Atual.
Além do Conselho Nacional de Saúde, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) também se manifestou contrária á compra de doses da vacina pelas empresas. A entidade adverte que já há escassez na oferta mundial de vacinas. A compra, ainda segundo ela, seria, portanto, um “problema ético”.
Fonte: Rede Brasil Atual
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