São Paulo – Cerca de 20% do território brasileiro, ou um quinto dele, pegou fogo ao menos uma vez entre 1985 e 2020. É o que revela a nova série do MapBiomas, As cicatrizes deixadas pelo fogo no território brasileiro, divulgada nesta segunda-feira (16). Baseado em 36 anos de dados históricos dos incêndios florestais, o estudo mostra que, ao todo, 1.672.142 quilômetros quadrados foram queimados. A entidade, que reúne pesquisadores de ONGs e universidades, revela ainda que a cada um ano, ao longo das mais de três décadas, o Brasil teve uma área maior do que a Inglaterra queimada, o equivalente a 150.957 quilômetros quadrados, ou 1,8% do país.
Em entrevista à Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual, a diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Ane Alencar, coordenadora do MapBiomas Fogo, alertou que o total queimado não é pouco e indica “que estamos cuidando mal do nosso meio ambiente”.
Quase dois terços dos incêndios, 65%, ocorreram em áreas de vegetação nativa. Sendo que os biomas do Cerrado e da Amazônia concentram 85% de toda a área queimada pelo menos uma vez no país. Mesmo no caso do Cerrado, que é o bioma, como explica Ane, “dependente do fogo”, o total de área devastada mostra que as queimadas “estão acontecendo de forma diferente do que deveria ocorrer naturalmente”. A preocupação dos especialistas é ainda maior sobre a Amazônia que, ao contrário do Cerrado, é um bioma sensível a incêndios mas, em termos absolutos, foi o segundo mais queimado (16%).
O fogo e o desmatamento ilegal
De acordo com a cientista, há um relação direta entre as queimadas com o desmatamento ilegal. Ane afirma que “a floresta amazônica é uma floresta úmida, que pega fogo naturalmente a cada 500 mil anos. Então dificilmente pegaria fogo, teria que ter um evento climático muito extremo, vários anos seguidos para que essa floresta se tornasse inflamável. Mas o que vemos é que a ação humana tem mudado a resistência dessa floresta a barrar o fogo. Então as mudanças climáticas, o desmatamento indiscriminado e a exploração ilegal de madeira – de forma inconvencional, sem cuidado, sem manejo – tem afetado essa resistência da floresta a segurar o fogo. O que acontece é que o fogo acaba entrando na floresta e degradando-a, o que aumenta também a emissão de gases do efeito estufa”, adverte.
Ainda segundo a coordenadora do MapBiomas, a falta de fiscalização contribui para a devastação ambiental, ao impedir que o desmatamento ilegal seja coibido. “O fogo representa a última etapa do processo de desmatamento, quando uma floresta, uma área de cerrado são desmatados, o que acontece no final é que essa área é deixada para secar e depois ela é queimada. (…) A falta de fiscalização impacta nisso, porque as pessoas acham que podem cometer um ilícito ambiental e isso só gera mais fogo”, completa.
Devastação do Pantanal
O avanço das queimadas também é um “péssimo indicador de como têm sido utilizadas as áreas de pastagens”. Ane alerta que os impactos do fogo têm dimensões “gigantescas” e para além da fauna e da flora. Há desde riscos à saúde humana, por conta da fumaça, até problemas na transmissão de energia elétrica, fechamento de aeroportos e para os próprios produtores rurais. “Quando esse fogo sai do controle, acabam perdendo pasto e têm que arrendá-los, ou acabam perdendo a infraestrutura de suas fazendas, cercas, currais. Então de fato o fogo não controlado é um inimigo para o meio ambiente, a economia e para o mundo na realidade. Porque a gente emite gases do efeito estufa que acabam impactando o clima do nosso país e do mundo”.
O levantamento também faz um alerta para a situação do Pantanal. Embora menor, em termos relativos, é o bioma que mais queimou nos últimos 36 anos, com 57% de sua área atingida pelo menos uma vez no período. Ou seja, mais da metade do tamanho do território. “Isso significa que de fato o Pantanal está passando por um processo de ficar mais inflamável, e isso pode estar acontecendo por conta de várias coisas. Entre elas, o desmatamento na cabeceiras que impacta da quantidade de água que fica empossada às secas severas que estão acometendo o bioma. Isso tudo influencia para a maior inflamabilidade do Pantanal”, observa Ane Alencar.
Fonte: RBA
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