quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Pesquisa avalia que erva-mate pode colaborar com o tratamento de pessoas com doença genética

Um estudo desenvolvido na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) avaliou o efeito da infusão de folhas de erva-mate (Ilex paraguariensis A. St. Hil.) para reduzir a absorção de ferro em portadores de hemocromatose hereditária, uma doença genética caracterizada pelo acúmulo excessivo de ferro e que pode levar ao comprometimento de órgãos e sistemas. Com resultados promissores, capazes de contribuir para o tratamento da enfermidade e uma melhor qualidade de vida dos pacientes, o trabalho foi conduzido pela pesquisadora Cristiane Manfé Pagliosa para sua tese de doutorado, realizada no Programa de Pós-Graduação em Nutrição sob orientação dos professores Edson Luiz da Silva e Francilene G. K. Vieira.

A pesquisa foi dividida em duas etapas. Inicialmente foram realizados testes em laboratório para definir a melhor forma de preparo da infusão, para que atingisse as propriedades desejadas e mantivesse maior estabilidade para seu armazenamento. As folhas utilizadas foram provenientes de cultivo orgânico e sem a presença de contaminantes que pudessem oferecer risco à saúde.

A segunda fase consistiu em um ensaio clínico com 14 pacientes com hemocromatose hereditária em fase de tratamento. Cada um ingeriu, em três momentos diferentes, uma refeição padronizada enriquecida com sulfato ferroso, um composto químico comumente usado em suplementos para reposição de ferro, e 200 ml de bebida (uma a cada dia): água, infusão de folhas de erva-mate e suspensão de Silybum marianum, um produto vendido em farmácias para tratamento de problemas no fígado. A finalidade foi avaliar o efeito do consumo de cada uma na inibição da absorção do ferro.

Os cientistas observaram uma redução considerável na quantidade de ferro absorvido nas primeiras quatro horas após o consumo da infusão de erva-mate. A curva que mede a concentração do elemento nesse período diminuiu 88%. “Assim, verifica-se que a infusão de erva-mate proposta no estudo (com as condições especificadas para essa amostra vegetal e para a sua forma de preparo), quando consumida logo após a refeição, tem potencial para reduzir a absorção de ferro em pacientes com hemocromatose hereditária”, afirma Cristiane, que enfatiza que a erva pode vir a ser usada como tratamento complementar e não substitui o acompanhamento médico tradicional.

Por outro lado, não houve diferença significativa entre a água e a suspensão de Silybum marianum – esta última, inclusive, apresentou uma leve tendência para aumentar a absorção de ferro. Aqui, vale salientar que o composto foi escolhido para o teste devido à existência de estudo prévio que indicava que cápsulas à base da planta Silybum marianum poderiam inibir a absorção de ferro em pessoas com hemocromatose. A diferença entre os resultados, segundo a pesquisadora, talvez se deva à presença de ácido ascórbico – uma substância conhecida por favorecer a absorção de ferro – entre os componentes do produto comercializado. “Em investigações futuras, seria importante verificar se a forma de apresentação das formulações fitoterápicas (suspensão versus cápsula) interferem para o seu efeito sobre a absorção de ferro”, comenta ela.

Também é importante ressaltar que as folhas de erva-mate usadas na pesquisa passaram por processos específicos para otimizar seu potencial de inibir a absorção de ferro, e a infusão foi feita com uma concentração bem maior de erva que a normalmente utilizada no dia a dia, em chás ou chimarrão, por exemplo. Além disso, o efeito foi observado somente quando a infusão era tomada logo após as refeições. Assim, não existem quaisquer evidências de que o consumo regular de erva-mate possa trazer problemas para a absorção de ferro.

O próximo passo da pesquisa é avaliar os efeitos da infusão para o tratamento da hemocromatose hereditária em longo prazo, mas ainda não há data para começar a nova etapa. O estudo também contou com a participação do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Estado de Santa Catarina (Hemosc) e do Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago (HU-UFSC/Ebserh). O financiamento foi do Programa de Pós-Graduação em Nutrição UFSC e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).


Hemocromatose

A hemocromatose hereditária é uma alteração genética caracterizada pelo aumento da capacidade de absorção do ferro alimentar, mesmo diante de um elevado armazenamento de ferro no organismo. Mutações no gene HFE, representam mais de 90% dos casos conhecidos de hemocromatose hereditária, considerada uma das doenças genéticas mais comuns em caucasianos (brancos), normalmente descendentes de celtas e da população do norte da Europa. Por consequência dos processos imigratórios, a enfermidade está presente em diversos países fora da Europa, inclusive no Brasil. Apesar de pouco diagnosticada, a ocorrência estimada é de um caso a cada duzentas pessoas em populações de descendência caucasiana.

Considerando que o ser humano não possui um mecanismo específico para eliminação do excesso de ferro do organismo, esse elemento se torna tóxico. Sua sobrecarga, ao longo do tempo, aumenta o risco de desenvolver diabetes, cardiomiopatias, cirrose, artrites, cânceres, entre outras complicações. Diante disso, Cristiane destaca a importância do diagnóstico precoce para iniciar o tratamento o quanto antes, evitando o comprometimento de órgãos e tecidos. Quando tratada (antes de avançar para complicações mais graves), a expectativa de vida dos portadores de hemocromatose tem sido considerada normal.

A pesquisadora chama atenção, ainda, para o fato de que o excesso de ferro no organismo da população em geral tem se tornado um problema comum, que demanda alternativas terapêuticas. No Brasil, apesar das poucas pesquisas direcionadas à hemocromatose hereditária, a frequência do seu genótipo é semelhante à de países que a consideram um problema de saúde pública.

Fonte: UFSC

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