quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Fim do Ibirapuera enterrará parte da história do nosso esporte


O último mês do pavoroso ano de 2020 logo na largada trouxe uma notícia terrível para o esporte brasileiro. A rejeição do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) para a proposta de tombamento do Complexo do Ibirapuera, em São Paulo, foi a sentença de morte para uma significativa parte da memória esportiva e cultural deste país. A decisão foi tomada nesta segunda-feira (30), em reunião virtual.

Na prática, o que foi definido com o não tombamento, do qual fazem parte o histórico Ginásio Geraldo José de Almeida (inaugurado em janeiro de 1957), o Estádio de atletismo Ícaro de Castro Mello, o Parque Aquático, além de um outro ginásio menor (Ginásio Mauro Pinheiro), é entregar o complexo de mão beijada para a privatização. E não precisa ser nenhum gênio para prever que o destino final não terá nada a ver com o esporte.

Sem o tombamento, não é possível proteger o local de alterações arquitetônicas. Algo que não acontecerá, por exemplo, no Estádio do Pacaembu, que também foi privatizado, mas manterá toda sua estrutura e funcionalidade originais. Só o setor do Tobogã, que não fazia parte do projeto original, será demolido.

No caso do Ibirapuera, o próprio estudo do governo do estado de São Paulo para o edital de privatização prevê a demolição do estádio de atletismo para a construção de uma arena multiuso para 20 mil pessoas. No local do parque aquático, o estudo indicava a construção de uma torre comercial e de um hotel. Já o velho Ibirapuera seria transformado em um grande shopping center, aproveitando sua estrutura. Sim, um shopping!


MEMÓRIA NO LIXO

Imagem aérea do complexo do Ibirapuera, que foi colocado 
á disposição para ser privatizado pelo governo do
 estado de São Paulo (Crédito: Reprodução).

Não vou entrar no mérito do atual estado de conservação do Complexo do Ibirapuera. É inegável que são equipamentos defasados, com inúmeros problemas e que necessitam de cuidados e reformas. A questão não passa por esta análise técnica, mas sim no descaso que existe no poder público com o esporte de modo geral. Não se pensa em uma política esportiva a longo prazo. Se o Estado lava as mãos, não é possível esperar que um empresário esteja preocupado com esporte, não é?

A minha maior revolta é com o descaso que as pessoas têm com a memória esportiva e cultural deste país. Apenas falando no esporte, momentos inesquecíveis foram registrados no velho “Ibira”. São tantos momentos que eu tenho receio de até esquecer algum deles, mas vamos lá:

– Título mundial do Sírio no basquete, em 1979;

– Seleção brasileira campeã mundial de futsal em 1982;

– Testemunhou o heroico terceiro lugar da seleção feminina de basquete no Mundial de 1971;

– Foi palco de diversas exibições de ídolos do boxe brasileiro, como Éder Jofre, Miguel de Oliveira, Popó, Adilson Maguila Rodrigues, entre outros;

– Recebeu exibições de gala das seleções feminina e masculina de vôlei, em ter elas a do título da Liga Mundial de 1993;

– Astros do tênis mundial, como Jimmy Connors, Pete Sampras, Roger Federer, Rafael Nadal e Guga, fizeram exibições no Ibirapuera;

– Ídolos de outras modalidades também competiram no Ibirapuera. Como esquecer a exibição da Daiane dos Santos em uma Copa do Mundo de ginástica artística, na década passada?

Sem falar das grandes competições do atletismo, como os meetings internacionais nos anos 80 e 90. Por aquela pista que será destruída pelo novo dono do Ibirapuera, competiram Joaquim Cruz, Carl Lewis, Maureen Maggi, Serguei Bubka, Robson Caetano, Edwin Moses, Evelyn Ashford, Willie Banks, Steve Ovett e até Ben Johnson, vejam vocês.

O complexo aquático do Ibirapuera formou uma geração de nadadores do país, entre eles o medalhista olímpico Ricardo Prado. O Complexo do Ibirapuera abriga ainda o alojamento dos atletas do Projeto Futuro, que já revelou alguns dos principais atletas do judô e atletismo do Brasil.

Tudo isso será apenas uma triste memória com a decisão desta última segunda-feira. Uma parte da história do esporte brasileiro será enterrada a partir do momento em que as primeiras máquinas começarem a fazer o seu trabalho no Complexo do Ibirapuera. Parabéns aos envolvidos nesta aberração.

Fonte: Olimpíada Todo Dia

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