Por Pe. Dr. Gilberto Tomazi
No mês de junho vemos, desde dentro do catolicismo, emergirem inúmeras festas e outras
manifestações de religiosidade em torno de santos de devoção popular como São Pedro, São Paulo, Santo Antônio, São João Batista, São Luiz Gonzaga, entre outros, que expressam uma espiritualidade ou uma fé profunda, capaz de responder a certas necessidades mais imediatas da vida e do cotidiano do povo, chegando inclusive a tornar-se um meio pelo qual esse povo se sente capaz de resistir até à morte, em nome de Deus, às violências e maus-tratos advindos das forças adversas, da opressão e da
violência. É essa espiritualidade, ao mesmo tempo da cruz e da festa, que torna inúmeras pessoas capazes de acreditar e fazer acontecer um mundo melhor. A espiritualidade é uma das poucas ferramentas nas quais muitos se juntam e formam redes de comunidades e grupos que dão sentido à vida, que fomentam irmandade, e animam as pessoas a viverem na esperança de dias melhores.
Sem a fé a vida tende a desaparecer e nada se cria ou aquilo que se cria não tem sentido. A fé faz parte do nosso mundo, do mundo da vida, do mundo humano, do mundo que sonhamos, transformamos e criamos. Tanto o mundo que imaginamos a partir da nossa fé quanto aquele que construímos culturalmente, e aquele que nos constrói, são para nós herança de muitas vidas que nos antecederam na história e são também para nós, esperança que se volta em favor dos que ainda não nasceram, das futuras gerações que esperam receber, melhorado, o mundo que herdamos dos nossos antepassados.
Não somos apenas “resultado” da natureza ou da vontade divina. Nossa fé se transforma em ação e aquilo que fazemos nos torna sujeitos de nossa existência e da história. Aos poucos fomos aprendendo a aprender, fomos aprendendo a pensar sobre o que fazíamos e sobre o que os outros fizeram no passado. Aos poucos começamos a sentir prazer em representar “nas telas” ou em “imagens” nossos desejos, sofrimentos, dores, amores e principalmente nossos sonhos. E, estes pequenos acontecimentos, geralmente menosprezados pela historiografia oficial, vão formando redes ou tecidos de relações que se articulam e formam a religiosidade popular. Nela as pessoas de uma determinada cultura se encontram, se deixam espiritualizar carregando dores e festejando conquistas e fracassos do cotidiano da vida e da história.
As festas religiosas e populares não se desenvolvem a partir de conhecimentos científicos. O que mais importa não é o elemento racional, nem a erudição dos discursos ou a grandeza das instituições. O que importa é recompor ou reorganizar a vida a partir de um centro: o sagrado, o divino. Os santos e santas do passado e do presente são relembrados e guardados com respeito, reconhecimento e devoção. Eles ganham o espaço intermediário e mediador entre o divino e o humano. As festas religiosas e populares não tem grande necessidade de reconhecimento nem de aparecer nas mídias. O povo prefere agarrar-se humildemente, e com todas as forças do coração, numa espiritualidade, numa “mística-que-faz-viver” e, mesmo em meio às dores de parto, em meio aos sofrimentos decorrentes das injustiças, o povo festeja a nostalgia e a esperança de um paraíso passado-possível e assim vai construindo um novo tempo, vai salvando vidas, construindo comunidades, abrindo caminhos de libertação, tecendo teias de solidariedade e de bem-viver, rumo a “outro mundo possível”, fazendo a história, guardando a memória e mantendo viva a chama da fé.
Pe. Dr. Gilberto Tomazi
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