Parlamentar de alta formação intelectual, com estudos em Filosofia, Teologia e Pedagogia, Padre Pedro Baldissera exerce mandato na Assembleia Legislativa de Santa Catarina pelo PT desde 2003. Embora tenha uma atuação considerada discreta, tem forte presença nas áreas da pesca artesanal, agricultura familiar, agroecologia, agricultura orgânica e a proteção das águas, com destaque para o Aquífero Guarani.
Padre Pedro é filho de agricultores e possui um extenso vínculo com a Igreja Católica, onde foi ordenado padre e deixou um grande trabalho com atuação em movimentos sociais, como nas periferias de São Paulo ainda na década de 70. Antes de conquistar uma cadeira na Alesc, foi eleito e reeleito prefeito de Guaraciaba, no Extremo Oeste, região que forma sua base eleitoral.
Em entrevista exclusiva concedida ao jornalista Marcos Schettini, Padre Pedro falou das ações de sua missão como deputado estadual, citou a possibilidade em buscar um sexto mandato e explanou sobre sua relação com o governador Moisés. Também, comentou sobre as Comunidades Eclesiais de Base, cristianismo, marxismo, questões democráticas e Jair Bolsonaro. Confira:
Marcos Schettini: O brasileiro cachaceiro quer dizer o que no recado do Papa Francisco?
Padre Pedro Baldissera: Quer dizer que o Papa é um ser humano como qualquer um de nós. Certamente foi uma manifestação sem reflexão maior, num tom alegre e descontraído com aqueles visitantes. Por outro lado, o tom de piada fica bem claro, da mesma forma quando em vários momentos o Papa falou sobre o povo argentino. A questão, acredito, está no contexto. Contudo, todos nós somos passíveis de, em algum momento, ultrapassarmos limites da liturgia do cargo. Se foi este um dos casos, acredito que fica para reflexão do próprio pontífice. Enfim, não vejo na manifestação um recado definindo o povo brasileiro.
Schettini: A igreja das Comunidades Eclesiais de Base levou consciência cristã à América Latina. Por que o Vaticano matou as CEBs?
Padre Pedro: É justamente por ter levado consciência cristã ao povo que as CEBs não morreram. Ela continua viva. É necessário entender a Eclesiologia das CEBs no contexto histórico da caminhada da Igreja. A CEBs se fundamenta na Palavra de Deus, tem uma característica própria o de estar com o povo, na base vivendo, sentindo os problemas do povo. As CEBs são o povo que se organiza como Igreja na busca do bem comum e não o bem de alguns. O melhor exemplo de CEBs está nos Atos dos Apóstolos capítulo 2, 42 e 4,32 com o relato das primeiras comunidades cristãs. Esta realidade das CEBs ganha força a partir do Concílio Vaticano Segundo. As CEBs são uma igreja em saída, uma igreja que vê, ouve e conhece, que vai em busca dos que estão caídos, dos abandonados, é uma Igreja Samaritana. Com o pontificado do Papa Francisco as CEBs voltam a ganhar força.
Schettini: Qual a diferença do cristianismo marxista em relação aos evangélicos? Não teria que ser um só?
Padre Pedro: Vamos separar as coisas. Primeiro, o cristianismo é uma religião. São mais de dois mil anos tendo um Deus Trino orientado pelas escrituras, destacando Jesus de Nazaré que revoluciona as estruturas da época, apresentando o Projeto do Reino de Deus como um novo modo de vida. O cristianismo nos desafia a vivenciar a nossa fé, possibilitando viver em plena comunhão consigo mesma, com o mundo e com Deus, com justiça, com igualdade.
Segundo, que o marxismo é uma doutrina política com método de análise socioeconômica da sociedade, estudado nos âmbitos da sociologia, da filosofia e da economia.
Terceiro, que cristianismo só tem um, Bíblia só tem uma, e o que está sendo feito é a forma de interpretar e vivenciar o que ela nos apresenta. O que está acontecendo é que estão querendo adaptar a Bíblia segundo os interesses pessoais e não nos adaptarmos ao que ela nos ensina. Isso se chama fundamentalismo religioso. É necessário conhecer e compreender o texto e o contexto.
E uma questão precisa ficar clara: a minha opção por defender a vida, a natureza, lutar contra injustiças, não está fora do Evangelho, aliás, tudo isso é parte de minha missão como cristão. E isso não tem definição em ideologias, mas numa perspectiva de caminhar sempre na direção da defesa intransigente da vida.
Schettini: A bancada da bala no Congresso é composta por maioria evangélica. É Jesus Cristo a serviço da indústria armamentista?
Padre Pedro: Não vamos colocar Cristo em lugar que ele condena. Aqui Jesus Cristo está sendo muito mal-usado. Ele diz: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”. Onde está escrito que Jesus Cristo quer o povo armado. Ele quer pão para todos, terra para todos, trabalho para todos, casa para todos... Esses falsos cristãos, como os que integram a chamada bancada da bala, pregam a morte e o ódio no parlamento e, com isso, açoitam Jesus.
Schettini: O Sr. tem uma atuação discreta na Alesc. Por quê?
Padre Pedro: Antes vamos aqui destacar que discrição não é ausência de trabalho, mas um estilo de ação. Eu acredito em trabalho coletivo, em construção coletiva, não em aparecer a qualquer custo. Só neste último ano nós encaminhamos e atuamos em mais de 250 demandas, nas mais diferentes áreas, desde ações legislativas até questões essenciais para trabalhar quando o problema pode ser resolvido com a nossa colaboração. Vou dar um exemplo de um tema que é fundamental para o Oeste, que é a questão das constantes estiagens e a necessidade de garantirmos água. Nós temos um trabalho de mais de 15 anos nessa área, reunindo pesquisadores, gestores, especialistas na questão hídrica. No último ano, entregamos ao governador um conjunto de propostas que basicamente contemplam o que é essencial para atender ao problema da estiagem. As medidas vieram, com um anúncio formal do governo, e contemplam o que nós apresentamos ao Governo do Estado. Vários mandatos, alguns nada discretos, se colocaram como responsáveis por isso, e efetivamente todos tiveram sua participação. Contudo, acredito que o importante é a resolução e a perspectiva de avanço, não colher os louros da vitória. O trabalho que apresentamos ao governador é fruto do estudo, da pesquisa, da experimentação de centenas de pessoas. Nossa função foi reunir, dialogar e apresentar. O mesmo fizemos com a apicultura, com a agroecologia, com as práticas integrativas e complementares em saúde, com o atendimento às demandas dos municípios a partir das emendas, com a vitivinicultura, onde o nosso papel foi reunir o setor e encaminhar as demandas. O meu papel não é gritar aos quatro ventos o que faço, mas sim ouvir e construir de forma coletiva soluções e saídas.
Schettini: O PT antecipou o voto favorável à volta do governador Carlos Moisés ao cargo. É uma aliança?
Padre Pedro: Quanto à questão partidária, eu não acredito que signifique aliança, mas sim uma decisão sensata, já que não é momento para ampliar instabilidades políticas. Precisamos focar na recuperação, na vacinação, na reestruturação de várias áreas. Esta posição foi defendida por mim com base na ideia de que qualquer irregularidade estava sendo investigada, e que isso devia determinar qualquer ação mais drástica. O que não podemos é trocar governos durante um período tão complexo quanto esta pandemia. E por outro lado, sempre tivemos um diálogo muito tranquilo com o governador Carlos Moisés. Em várias ações e projetos tivemos resposta rápida e positiva por parte dele, em que pese divergirmos em diversas outras questões.
Schettini: Defina Lula da Silva, Sergio Moro e Jair Bolsonaro no contexto nacional. Quem é quem?
Padre Pedro: Bem, primeiro precisamos nos despir de análises passionais para observar estas três figuras inseridas no contexto nacional. Começando pelo ex-presidente Lula, a própria oposição o reconhece como uma liderança mundial e, apesar de divergências, também reconhece os avanços que o País alcançou em seu governo. Sergio Moro tinha tudo para marcar a história da justiça brasileira, em um trabalho coletivo junto de diversos setores da segurança e do judiciário, mas preferiu seguir um caminho contaminado pelo poder político e midiático. Vários resultados da Operação Lava Jato são positivos, e não podemos desconsiderar, contudo, também ficou claro o viés político de várias de suas decisões. Quanto ao ex-deputado e hoje presidente da República, Jair Bolsonaro, lamento que quase três décadas de caminhada na política não tenham ensinado a ele o valor do diálogo e, principalmente, a necessidade de respeito incondicional à vida. Além disso, observando sua atuação como gestor, infelizmente constata-se irresponsabilidade, ineficiência e um apego excessivo a questões que pouco ou nada importam para nossa realidade. Essa obsessão quase doentia por combater um comunismo que só existe na cabeça dele, a insistência em dogmas absurdos, tudo isso, junto de um péssimo aconselhamento político e de gestão, estão transformando ele numa das referências do que não se deve fazer no cargo de presidente da República.
Schettini: Qual é o tamanho do conceito de democracia que o Sr. observa? O país corre risco de dissolução?
Padre Pedro: Ainda não vejo risco de dissolução de nossa democracia, mas há estragos muito graves, em especial causados por uma avalanche de conteúdos e informações distorcidas, manipuladas ou mesmo falsas. Veja, a democracia é realmente desafiadora, porque é construída ao longo da caminhada, e se fortalece ou se esvazia também nesta caminhada. Quando nós alimentamos ideias tão fantasiosas quanto perigosas, como é o caso de uma suposta salvação a partir de um regime militar ditatorial, nós estamos regredindo décadas nessa construção de uma democracia participativa, sólida e que efetivamente tem como meta um estado de bem-estar social. A minha visão neste tema é muito clara: o debate e o trabalho coletivo efetivamente constroem. Sem ouvir as comunidades, as famílias, os gestores municipais, as entidades, os setores da sociedade, nada vai resultar em avanços. Ouvir, debater e construir de forma coletiva é o central do que penso sobre o conceito de democracia. Contudo, não acredito que possamos tolerar a intolerância. Ao mesmo tempo em que a liberdade e o bem-estar devem ser nosso horizonte, é fundamental que toda e qualquer conduta intolerante e, principalmente, eivada de violência, deve ser contida. Isso também é um pressuposto da democracia.
Schettini: O Sr. acredita em Céu e Inferno na Terra ou só depois da morte?
Padre Pedro: Não é preciso acreditar no inferno, basta olhar em sua volta para ver o sofrimento de milhões de famílias passando fome, milhões de desempregados, de sem teto, sem terra, sem dignidade, sem o básico para viver. A vida infernal, sofrida e ameaçadora é uma realidade que independe das crenças. Esta vida está aí para todos verem e sentirem, com seres humanos passando fome num mundo de tanta riqueza e abundância. O inferno mais atual da pandemia está sim empurrando precocemente para a morte milhões de pessoas em todo o planeta, e aqui no Brasil, o pior dos infernos, com quase meio milhão de mortes, é conduzido irresponsavelmente por Jair, o falso Messias, Bolsonaro.
Schettini: Qual seu destino político em 2022?
Padre Pedro: O destino permanece no plano da soberania divina. Eu e nenhum outro ser humano sabe onde estará em 2022. Porém, provável que trabalharei para renovar mais uma vez meu mandato de deputado estadual, para dar continuidade a muitas ações que são mantidas a partir desta condição e, especialmente, para construir outras ações que ainda precisam de mais tempo para serem consolidadas ou criadas. Mas como disse, em outras palavras, o futuro não me pertence, e se for preciso enfrentar novos desafios, estaremos sim dispostos a examinar as possibilidades. Mas em relação ao destino, prefiro economizar palavras, citando a Bíblia: “Tudo já foi decidido, sabia-se há muito tempo o que cada pessoa seria. Portanto não adianta discutir com Deus sobre o nosso destino. Quanto mais palavras são ditas, mais vazias elas são. Então, que diferença fazem?” (Eclesiastes 6: 10-11).
Fonte: Lenoticias.com
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