quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A seca no sertão e o debate sobre a convivência com o semiárido brasileiro.


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Por Sérgio Botton Barcellos e Maciel Cover.

O Semiárido brasileiro abrange uma área de 969.589,4 km² com 1.133 municípios de 09 estados do Brasil: Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Nessa região, vivem 22 milhões de pessoas, que representam 11,8% da população brasileira, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A tradicional e naturalizada divulgação de seca no Nordeste feita pela mídia, durante o ano de 2012, pode ser considerada a mais forte estiagem dos últimos 50 anos e está ocorrendo há meses no semiárido nordestino, nos vales do Jequitinhonha em Minas Gerais e do Mucuri, no Espírito Santo. A previsão é que a seca ou a estiagem tende a se agravar no início de 2013, devido à instabilidade climática no Oceano Pacífico com a manifestação do La Niña. Essa situação climática e a falta de condições estruturais para lidar com a mesma estão afetando diretamente em torno de 10 milhões de pessoas.

A região mais acometida do semiárido nordestino é o estado da Bahia com cerca de 230 municípios atingidos. Municípios de Alagoas e Piauí também estão há meses sem chuvas. Segundo dados divulgados periodicamente pelo Ministério da Agricultura (MAPA), 08 municípios da Zona da Mata em Pernambuco estão em situação de emergência devido à estiagem. No Maranhão, a estiagem chegou a municípios do litoral, como o de Barreirinhas, nos Lençóis Maranhenses. Na Bahia, o número de cidades afetadas chegou a 259, quase a totalidade dos 266 situados no semiárido. No Norte de Minas Gerais, 125 municípios estão em situação de emergência devido à seca, inclusive com a seca de barragens.

Ao todo, segundo o Ministério da Integração Nacional, 525 municípios da região estão em situação de emergência e outros 221 sofrem efeitos da estiagem e aguardam avaliação da Secretaria Nacional de Defesa Civil.

De acordo com o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos – CPTEC/ INPE e o INMET, a previsão climática para o trimestre de Dezembro, Janeiro e Fevereiro de 2012-2013 tem 40% de probabilidade de ocorrência de precipitação na categoria abaixo da normal climatológica, para grande parte da Região Nordeste, exceto extremo sul e sudoeste da Bahia. A situação poderá se agravar mais ainda caso não ocorra à precipitação esperada para os próximos meses, pois centenas de outras cidades poderão ter seu serviço de abastecimento de água afetado e entrar em colapso.
Em 512 anos, o semiárido nordestino chegou a sua 72ª grande estiagem, segundo relatos históricos da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA). Percebe-se que temas como falta de água, desabastecimento, racionamento, rodízio, revezamento, colapso e carro pipa são recorrentes quando se refere à seca ou estiagem no nordeste brasileiro.

A pouca chuva é típica das regiões semiáridas. No caso brasileiro, isso tem se intensificado pelos danos ambientais cometidos, o descontrole e a concentração do uso da água pelos grandes proprietários rurais e as elites locais. Contudo, os impactos decorrentes da estiagem no semiárido são históricos e perduram, além da questão climática, podendo ser identificados como um processo socioambiental e econômico mais amplo que constitui a reprodução social do sistema capitalista ao longo da história no Brasil.


A ESTIAGEM, A INDÚSTRIA DA SECA E ALGUMAS PROVOCAÇÕES PARA O DEBATE

“Mas plantar prá dividir
Não faço mais isso, não.
Eu sou um pobre caboclo,
Ganho a vida na enxada.
O que eu colho é dividido
Com quem não planta nada”.
Sina do Caboclo – João do Vale

O semiárido é marcado por grandes desigualdades sociais. Segundo dados sistematizados pela ASA e divulgados pelo Ministério da Integração Nacional, 58% da população considerada em situação de pobreza no Brasil vive nessa região. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no Semiárido é considerado baixo para aproximadamente 82% dos municípios, que possuem IDH até 0,65, estimando-se que 62% da população vivem sem as condições necessárias para a manutenção de uma vida digna em relação aos indicadores de renda, educação e longevidade.

Atualmente 67% das famílias situadas na zona rural dos estados que compõem o semiárido não possuem acesso à rede geral de abastecimento de água, sendo que 43% utilizam poços ou nascentes e 24% utilizam outras formas de acessar a água, inclusive a busca em fontes distantes. Estima-se que grande parte das terras da região é formada por pequenas propriedades e apenas 5% da população têm água para irrigação de plantações, seja por tubulações ou por cisternas especiais. A estiagem e a falta de planejamento dos gestores fizeram surgir o comércio paralelo de água que não é mineral e não traz garantias de qualidade para cozinhar e para o consumo humano.

Desse modo, as questões sociais como a desigualdade social, os conflitos socioambientais e a concentração fundiária estão ainda presentes de forma variada e constituem a história do desenvolvimento capitalista nessa região do Brasil, mesmo que a causa das questões relacionadas à miséria no nordeste recaiam sobre os fenômenos climáticos vinculados a ocorrência das secas.

A partir disso e das estrondosas divulgações de calamidade pública na região, uma determinada elite econômica e política têm acesso, em grande medida, a recursos governamentais e verbas de emergência, anistia e renegociação das dívidas, a construção de açudes e a implantação de irrigação que trazem benefícios para eles próprios em suas propriedades. Sob essas condições, em geral, se constituem as relações de dominação política e econômica sobre a maioria do povo nordestino.

Segundo o Mapa de conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, a maioria dos conflitos socioambientais, cerca de 29,45%, estão ocorrendo na região nordeste com destaque para os estados da Bahia e Pernambuco. Cabe destacar, que na região do semiárido também se situa a atual fronteira de expansão capitalista do país, com o agronegócio, o ciclo da mineração e as inúmeras obras de infraestrutura, como hidrelétricas, rodovias e a transposição do São Francisco.

As grandes obras, como a transposição do Rio São Francisco, que se justificam pelo discurso de levar água a maioria da população do semiárido estão causando uma série de impactos socioambientais, econômicos e emigratórios, como aponta o estudo de Evangelista (2012), sobretudo para populações locais subjugadas as consequências desse impacto forçado sobre suas vidas. No semiárido, muitos açudes de pequeno, médio e grande porte foram construídos, em sua maioria, em terras dos grandes proprietários, sem acesso para os moradores das fazendas ou pequenos agricultores familiares. Constata-se também que em muitos locais do semiárido realiza-se ainda a adoção de medidas emergenciais de combate a seca que são incompatíveis com a diversidade, as características fisico-climáticas e etnoculturais da região (Alves da Silva, 2003).

Diversas instituições de Estado, nos governos municipais, estaduais e federal estão presentes historicamente no semiárido e ora colaboraram com a manutenção e a constituição da indústria da seca, ora para amenizar as condições precárias de vida na região. Além das forças repressivas policiais na caatinga, há instituições federais presentes no semiárido como a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e suas companhias, como a de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF), e o Banco do Nordeste do Brasil (BNB).

Entre esse conjunto de características socioambientais, históricas, políticas e institucionais contidas no semiárido brasileiro constituiu-se o que se conhece como “indústria da seca”, que configura-se como um modus operandi político que mantém as condições socioeconômicas de desigualdade social da região, tendo como subterfúgio não adotar políticas públicas para a convivência no semiárido e que possibilitem as condições necessárias para a autonomia e emancipação dos diversos projetos de vida nesse espaço. Evidencia-se que esse conjunto de fatores delineiam relações de concentração econômica e de poder político em prol de determinados e restritos grupos sociais e familiares.

A partir desse cenário parece ser possível fazer o debate sobre o caráter do conjunto de políticas públicas e do arranjo social que, de certa maneira, colaboram em grande medida com a manutenção da desigualdade social no semiárido, mesmo com a atual ocorrência de mudanças sociais consideradas positivas, no cenário de dependência e da correlação de forças desiguais, com os programas e redistribuição de renda do governo federal.

A evidência de que a “fórmula” das medidas emergenciais não muda em relação às políticas públicas é, por exemplo, no que tange a recente estiagem, a criação de uma linha no Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) no valor de R$ 1,5 bilhão com foco nos pequenos produtores rurais, o pagamento do seguro Garantia Safra, o pagamento da Bolsa Estiagem (no valor de R$ 400 por família), a abertura de uma linha de crédito com juros reduzidos e o crédito extraordinário de R$ 164 milhões para distribuição de água por meio de caminhões-pipa. Já o Ministério do Desenvolvimento Social- MDS vem adotando Ações Emergenciais de Enfrentamento aos Efeitos da Estiagem. O que parece ter sido o diferencial foi à manutenção do convênio com a ASA, após diversas manifestações das organizações e movimentos sociais, do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) (política de convivência com o semiárido que já beneficiou mais 300 mil de famílias).
Parece estar mais do que evidente a ausência de políticas públicas efetivas, por parte dos governos, que promovam as condições necessárias de convivência com as singularidades socioambientais do ecossistema semiárido brasileiro e do bioma da caatinga. Para isso parece ser necessário não renegar ou combater as características climáticas da região insistindo em promover um modelo de progresso econômico e produtivo anacrônico a essa realidade com a concentração de terra, de riqueza, recursos públicos e tornando o semiárido uma região inóspita para a maioria do seu povo viver.

Nesse sentido, urge a necessidade de debater efetivamente a reforma agrária, o fomento e o estímulo ao desenvolvimento de tecnologias sociais para o manejo dos recursos hídricos e alimentos (além das políticas ineficientes e inadequadas em irrigação), bem como o estímulo a uma produção agropecuária contextualizada e apropriada ao ecossistema local. Também parece ser necessário rever os aspectos normativos, o perfil político e tecnoburocrático das instituições e agentes que gerenciam as políticas públicas na região do semiárido.

A dominação social, os preconceitos regionais e socioambientais sobre o povo do semiárido em grande parte têm sua eficácia marcada pelo fato de ser ignorada. Observa-se que os debates e as disputas políticas para o aprimoramento e a ampliação de outro conjunto de ações e políticas públicas estão em pauta nessa região, apesar de silenciados ou ignorados pelas esferas de governo e a grande mídia. Ao mesmo tempo, o esforço de gerar outro ciclo de políticas públicas com as organizações e movimentos sociais do semiárido, também terá que abranger a ampliação da discussão sobre democracia, emancipação e autonomia social em vistas de fragilizar cada vez mais os resquícios de coronelismo e clientelismo, bem como o mandonismo político que está presente em vários redutos dessa região.

Outra questão, que pouco se comenta é como e quando vai ocorrer o desenvolvimento e o fomento de tecnologias avançadas em meteorologia para o aprovisionamento e o planejamento público sobre às possíveis intempéries climáticas, como as longas estiagens, que afetam as distintas regiões do Brasil. Além da notória falta de sensibilidade social dos nossos governantes, evidencia-se descaso e a falta de um projeto nacional e soberano de ciência e tecnologia com políticas apropriadas à diversidade social e regional do Brasil (Fonseca, 2007).

Ressalta-se, que forjar outro projeto de desenvolvimento para o semiárido e de políticas para a convivência nesse contexto não está contida na proposição da sua inclusão em um modelo econômico competitivo e excludente apoiado por políticas públicas altamente burocratizadas, elitizadas e sem capilaridade social, como por exemplo, os históricos projetos de poços artesianos, irrigação e a recente transposição do Rio São Francisco. A formulação de outro ciclo de políticas públicas no semiárido terá de ocorrer junto com a construção de um projeto de desenvolvimento socioambiental para o país em conjunto com a sociedade. Diante disso, uma provocação que pode ser feita é: Como apresentar e construir o intercâmbio do conjunto das experiências e tecnologias sociais desenvolvidas no semiárido junto aos governos, organizações e movimentos sociais na formulação, gestão e monitoramento de políticas públicas COM a sociedade?

Caberá ao atual governo federal fazer a sua parte nesse processo de debate sobre as mudanças necessárias no semiárido brasileiro, mais do que já vem fazendo, e parece ser esse mais um dos seus desafios para 2013, que é o de estimular e viabilizar esse processo de elaboração e efetivar políticas e programas, a médio e longo prazo, de convivência com essa região.

*Sérgio Botton Barcellos é pesquisador do tema juventude rural. É veterinário e faz doutorado em Ciencias Sociais pela UFRRJ. Já voltou de Barcelona. É gaúcho de Santa Maria, Gremista, e ajuda na assessoria da PJR. Da fineza das estrebarias do Rio Grande para os bancos acadêmicos!Que tal tchê!

alt* Maciel Cover faz parte da equipe de assessoria da PJR. Faz doutorado em Ciências Sociais na UFCG. Nasceu em Dois Lajeados, na Serra Gaúcha. Trabalhou um tempo no Jornal Vitória de Tangará. Escreve para a Agecon e para a Agência Comunidade.









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