sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Programa de Redução dos Agrotóxicos passa na CCJ


O projeto de lei (280/2019),  apresentado pelo deputado Padre Pedro Baldissera (PT) em agosto e que propõe a criação do Programa Estadual de Redução dos Agrotóxicos (PROERA) em Santa Catarina, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa. A ideia é semelhante ao Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA – Projeto de Lei 6670/2016), que teve seu texto redigido por especialistas e apresentado pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. A matéria ainda tramita no Congresso. O projeto do parlamentar seguirá para análise nas comissões de mérito a partir de fevereiro.

Padre Pedro, cuja família ainda trabalha na agricultura, admitiu as dificuldades encontradas por agricultores familiares e o agronegócio na transição para uma produção agroecológica, ou que reduza o volume de agrotóxicos utilizados. “Venho de uma família que trabalha na roça e compreendemos essa dificuldade. Hoje não temos uma política que possa garantir incentivos ou algum amparo e subsídio para que o nosso agricultor familiar se desvincule do pacote de veneno das multinacionais”, admitiu o deputado.

Redução gradual e medidas de apoio

Conforme Padre Pedro, o projeto prevê um processo gradual de eliminação dos agrotóxicos, com foco nos produtos cujas pesquisas apontam perigo para a saúde e efeitos nocivos ao meio ambiente, ou substâncias que já são proibidas em vários países. “Envolve um amplo conjunto de medidas, que vão desde o acesso e o incentivo a produtos de origem biológica, a substituição de produtos de maior impacto, estímulo à produção de base agroecológica, Assistência Técnica Rural (ATR) voltada à transição, criação de áreas de uso restrito de agrotóxicos e áreas livres dos agrotóxicos, entre outras ações. O que buscamos é viabilizar a retirada destes produtos com mínimo impacto na renda das famílias do campo”, observa.

O parlamentar defende, contudo, o banimento imediato de produtos proibidos em outros países e cuja formulação é apontada pela comunidade científica internacional como prejudicial à saúde e ao meio ambiente. “O objetivo da nossa proposta é proteger as produções, os agricultores e a população. Um dos pontos fundamentais é a ampliação dos investimentos em pesquisa e em tecnologias que garantam oferta de insumos livres de substâncias altamente tóxicas”, destaca. Para o deputado, abandonar o modelo de produção baseado nos pacotes de empresas multinacionais fabricantes de veneno não dependerá somente de medidas tributárias, mas sobretudo de uma construção cultural ancorada no conhecimento, na ciência e em políticas públicas de incentivo à transição produtiva.

Os primeiros debates em torno do Proera, conforme Padre Pedro, iniciaram há alguns anos junto a entidades que promovem os Seminários Estaduais de Agroecologia – neste ano acontece a nona edição do evento, no município de Rio do Campo, em 17 e 18 de outubro. “Resolvemos apresentar para uma discussão coletiva na Assembleia depois desse debate motivado pela proposta do Governo do Estado, de extinguir os incentivos fiscais para agrotóxicos”, complementa.

“Redução de incentivos a agrotóxicos tem fundamento”

Padre Pedro criticou a ausência de ações por parte da União e dos Estados, no sentido de impedir a extrema dependência de nossa agricultura em relação aos pacotes tecnológicos de empresas multinacionais. “Até nossas instituições públicas de pesquisa foram e são utilizadas em benefício de um modelo que prejudica nossa saúde e o meio ambiente. Não investimos e nos tornamos dependentes”, analisa.

Para o deputado, a proposta de discutir o fim dos incentivos aos agrotóxicos, apresentada pelo governador Carlos Moisés, tem fundamento e é um passo importante. “Nós temos inúmeras consequencias, entre elas, o prejuízo não só a vidas humanas e com o aumento dos custos na saúde pública, a todo equilíbrio da natureza nas mais diversas dimensões. Muitos não estão compreendendo, por exemplo, o significado preocupante da morte de milhares de colmeias. Estão matando o inseto que poliniza suas lavouras. Alguém se pergunta qual o impacto disso na sustentabilidade de nossa agricultura?” questionou, lembrando a morte de mais de 200 colmeias, no Planalto Norte, em março desse ano.

Mudança cultural

Mas Padre Pedro afirma que não pretende debater o tema a partir da simples proibição ao uso, ou mesmo baseada exclusivamente em medidas tributárias. “Não é questão de se proibir todo e qualquer inseticida ou taxá-los. O que nós temos que mudar é a cultura por trás disso tudo. Nós precisamos investir em pesquisa, em ciência, em tecnologias sociais que permitam avançar para um novo paradigma de produção, e ao mesmo tempo garantir segurança para que as famílias da agricultura consigam fazer a transição. É disso que trata nosso projeto”, defendeu.

Padre Pedro baseia sua análise nos estudos de pesquisadores catarinenses que apontam a viabilidade de Santa Catarina tornar-se uma região modelo na produção agrícola sem veneno, já que quase 90% da agricultura catarinense é formada por pequenos proprietários. “É uma condição privilegiada para a produção de alimentos agroecológicos ou, pelo menos, com uma utilização menor de agrotóxicos. Seria natural nos voltarmos para este modelo, mas ao invés disso insistimos na direção contrária”, complementou.

Banco de sementes
Na mesma linha de defender a independência dos agricultores em relação a pacotes tecnológicos de empresas multinacionais, Padre Pedro foi o autor de outro projeto que rendeu polêmica, mas acabou aprovado e transformado em Lei. O Diário Oficial do Estado (DOE) de 16 de janeiro de 2018 trouxe a redação final da Lei 17.481, que cria a política estadual de incentivo à formação de bancos comunitários de sementes e mudas no Estado. Entre a apresentação do projeto e sua aprovação passaram-se cinco anos de debates.

A ideia da Lei é garantir autonomia na reprodução de inúmeras variedades, seu armazenamento e distribuição, em especial das sementes crioulas, há décadas reproduzidas pelas famílias da agricultura. Atualmente está em curso uma articulação junto à Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), entidades e movimentos de agricultura, para consolidação de um projeto piloto dos bancos comunitários de sementes e mudas na região Oeste do Estado.

A Lei assegura, a partir de uma política pública estadual, a implantação de espaços que resguardem sementes e mudas de diversas espécies, dando atenção aos exemplares crioulos. A semente é o início da cadeia produtiva de alimentos e por isso tem um valor estratégico. Além da diversidade na agricultura, isso é fundamental numa época de constantes mudanças climáticas.

Quaisquer adversidades, como o ataque de uma nova praga, representam uma ameaça aos plantios uniformes, sem base genética para reações, colocando a segurança alimentar em risco. Além de garantir diversidade de cultivares a disposição da agricultura familiar, os bancos de sementes invertem a lógica de aquisição do produto unicamente a partir dos pacotes biotecnológicos de grandes empresas. Nesta política, os agricultores não são clientes: eles também fornecem material ao banco, para garantir biodiversidade, e têm acesso a sementes e mudas de diferentes espécies.

Já existem linhas de financiamento no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), dentro do Sistema Nacional de Sementes e Mudas, que incentivam a produção de sementes crioulas, entre diversas outras fontes de parcerias.

O banco de sementes é uma espécie de caderneta de poupança do campo. As sementes são depositadas em um armazém, podendo ficar ali por muito tempo. Quando for preciso, serão utilizadas. Atualmente há cerca de 1.400 bancos de sementes em todo o mundo. O Brasil tem o quarto maior banco genético, na Embrapa. São cerca de 150 mil amostras.

Em diversas regiões do mundo os bancos comunitários de sementes e mudas permitiram a sustentabilidade da agricultura familiar e a recomposição ambiental de ecossistemas e biomas. Isso contribui para as famílias do campo e na garantia do abastecimento interno do Estado.

Erosão genética

Na justificativa da Lei, Padre Pedro observa que o processo de modernização da agricultura introduziu inúmeras sementes híbridas e, recentemente, transgênicas. Isso reduziu de forma drástica as variedades tradicionais, ocasionando o que os pesquisadores chamam de "erosão genética". A agricultura convencional passou a reproduzir, em maior escala, as sementes e mudas de cultivares mais produtivos. A expansão da biotecnologia agrícola sinaliza uma tendência para a redução da diversidade genética, aumentando a vulnerabilidade.

As empresas produtoras de sementes restringem, de diversas formas, o direito dos agricultores de guardar e reproduzir sementes, obrigando a compra periódica. Ao mesmo tempo, um processo de desinformação busca consolidar a ideia de que as sementes crioulas não são seguras por não passarem por testes laboratoriais, um argumento já desconstruído pelos cientistas.

O que são as variedades crioulas

As variedades crioulas são as sementes produzidas pelos próprios agricultores, sem cruzamentos feitos em laboratório e que resguardam as características originais de cada variedade, dentro de uma ou mais espécies. Em nosso Estado existem diversas iniciativas de agricultores familiares e de comunidades tradicionais, para o cultivo de sementes crioulas e de mudas nativas. Porém, estas iniciativas não contavam com uma política de incentivo, como já vem sendo implementado por outros estados, entre eles Minas Gerais.

Fonte: Assessoria de Imprensa

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