imagem ilustrativa/reprodução |
Era
uma noite bem escura e os cachorros latiam. Eu e os meus dois irmãos mais novos
estávamos sozinhos em casa e levamos um susto quando ouvimos um barulho na
janela. Era um homem idoso, barbudo e cabelos compridos que batia com uma vara
num vidro, ao lado da mesa onde estávamos jantando. Carregava um saco nas
costas e, mesmo não fazendo frio, vestia muitas roupas, inclusive uma capa
grande, velha, suja e rasgada que ia até os pés. Eu tinha 14 anos e sendo o
mais velho, criei coragem e abri a janela. O homem mal conseguia se comunicar,
falava rápido, mas me pareceu amigável. Ele disse que queria algo para comer e,
também, permissão para dormir no paiol. Então o convidamos para entrar e jantou
conosco. No lugar do medo emergiu em nós a curiosidade de saber como ele vivia.
Então ele nos contou um pouco de sua história. Disse-nos que na sua juventude,
cheio de sonhos, foi para a guerra mundial.
Algumas
lágrimas saíram de seus olhos, ao nos contar dos horrores da guerra, dos amigos
que morreram e desapareceram, dos tiros e gritos. Disse: “na guerra não se vê
pessoas, só máquinas que matam... Numa ocasião ficamos três dias e três noites
atirando sem parar. É por isso que estou assim, vivo na poeira da estrada, não
tenho para onde ir, não tenho mulher, nem família, nem amigos, nada tenho, sou
um andarilho, durmo em qualquer lugar, estou doente, me chamam de louco e só
tenho comida quando alguém me dá.” Disse ainda: “Perdi meus documentos, então
não pude provar que fui à guerra, e até hoje nada recebi dos meus direitos”. E,
completou: “violência gera violência! A violência acaba com as pessoas e nada
resolve!”
Eu
pouco entendia de guerras. Achava que guerra era coisa de filmes importados dos
EUA. Então aquelas palavras me despertaram o interesse em saber mais. Lembro-me
que, na escola, me deparei com a expressão “guerras santas”, então eu me
perguntava: se a guerra foi feita para matar, como pode ser santa ou ter
aprovação divina? Na faculdade estudei sobre guerras que visavam derrubar
opressores do poder e construir sociedades melhores. Um professor disse: “só
matando os violentos para resolver o problema.” Mais uma crise! Eu me
perguntava, como pode ser construída uma sociedade fraterna e pacífica por
meios violentos? Os questionamentos aumentavam, mas não me dei por vencido. Nos
últimos anos assistimos ao crescimento crescente e a multiplicação de guerras,
massacres, fuzilamentos, extermínio de povos, de jovens, torturas, violências
contra mulheres, migrantes, negros, gays, pobres; um ódio crescente e
contagiante vem sendo promovido pelas grandes mídias e está levando às ruas
muitos indivíduos com pedras, paus, ovos, chicotes, armas, cavalos e
camionetas. O ódio, a calúnia, a mentira, a injúria e diferentes formas de violência
tem ganhado espaços crescentes nas mídias, no parlamento, no senado, nos
tribunais, nas casas, nas cidades e nas ruas.
Em
Deus, que se revelou nos profetas e em Jesus Cristo morto e ressuscitado, está
a resposta. Pelo profeta Isaias Ele falou: “já não aguento mais esses vossos
sacrifícios e holocaustos”. Em outras palavras: Chega de violência! Chega de
matar inocentes em meu nome! Jesus chamou os donos do poder econômico,
político, jurídico e religioso de raposas, de hipócritas, de túmbalos caiados, de
ladrões, de assassinos. Com a morte de Jesus as pessoas passaram a compreender
que os violentos não agem segundo Deus e, sim, dominados por satanás. Jesus se
colocou ao lado das vítimas, dos pobres, dos excluídos, dos doentes, dos
pequeninos: “quando fizerdes isso a um destes pequeninos é a mim mesmo que
estais fazendo”. Jesus, com amor, enfrentou a violência até a morte. Foi tão
radical no seu amor que mesmo pregado na cruz, pediu ao Pai que perdoasse, isto
é, que não usasse de violência matando os seus assassinos. A morte de Jesus,
isto é, a sua vida doada até a cruz, sem entrar no jogo da violência, foi o
maior exemplo de vitória sobre todas as forças e instituições da violência e da
morte.
Recentemente,
o papa João Paulo II afirmou: “numa guerra não há vencedores e perdedores,
todos são perdedores.” No século passado além das duas grandes guerras
mundiais, tivemos uma centena de outras guerras, com perdas humanas, ecológicas
e materiais incalculáveis. Essas guerras foram sacrificando vidas, arrasando
países, destroçando esperanças. Se a guerra é um câncer maligno que não tem
cura, então nossa luta deve estar na prevenção! E esta passa pela educação,
pela Igreja, pela família, pela escola, pela política, pelas mídias... Todos
precisamos estar atentos, dispostos e comprometidos com a corrente e a defesa
da paz.
Celebrar
a Páscoa é celebrar a vitória da vida sobre a morte. É ressurreição. Em Jesus,
Deus nos oferece sua vida cheia de amor, misericórdia, compaixão, solidariedade
e esperança. Para que finalmente aconteça a paz verdadeira, faz-se necessário
desmontar e desmascarar as injustiças, os golpes contra a democracia e remover
suas iníquas consequências. O papa Francisco, com seu exemplo e suas palavras,
insiste em afirmar que o mundo precisa de profundas transformações, precisa da
grandeza de ânimo de líderes que tenham a clarividência e a coragem de lutar
incansavelmente contra as injustiças sobre as quais se estrutura a atual ordem
mundial. Só assim o mundo terá paz.
Pe. Dr.
Gilberto Tomazi
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