quinta-feira, 11 de abril de 2013

A dimensão religiosa da vida nas escolas e universidades



Creio que três motivos fazem com que o Ensino Religioso nas escolas seja, não somente obrigatório, mas, muito mais do que isso, desejado, prazeroso e necessário.

Em primeiro lugar destacamos a realidade vigente, na qual vemos um crescente índice de suicídios, homicídios, etnocídios, massacres e muitos outros tipos de violência geralmente ligadas ao narcotráfico, à mentalidade consumista e ao egoísmo; em seguindo, vemos que em não poucos casos a dimensão religiosa da vida vem sendo manipulada e explorada por inúmeros agentes empresariais e religiosos invertendo valores e princípios fundamentais da vida e gerando diversos prejuízos à vida humana, tais como a alienação e inúmeros outros problemas de ordem psíquica, física, biológica, familiar, comunitária e social; em terceiro lugar, vemos emergir no mundo acadêmico e científico um amplo leque de pesquisas e escritos sobre religiões, religiosidades e espiritualidades; e, em quarto lugar, vemos o nascimento e o fortalecimento de inúmeras experiências, movimentos e processos de dignificação e de defesa da vida, de construção de uma sociedade solidária e justa, onde caibam todos;   Tanto para denunciar e refletir sobre a realidade dos dois primeiros enunciados como para valorizar e promover a dos dois últimos enunciados faz-se não somente necessário mas, também, de fundamental importância o Ensino Religioso nas escolas.

Não se trata de catequizar, isso é responsabilidade de cada tradição religiosa em prol da própria tradição e de seus fiéis. Também não se trata de promover o proselitismo, isto é, a valorização e a ênfase em uma tradição religiosa em detrimento das demais. Tampouco trata-se de entrar no jogo do mercado e de diversos grandes meios de comunicação, oferecendo novas “mercadorias” para os consumidores de produtos religiosos ou oferecendo esperanças ilusórias aos que neles acreditam.

Com raras exceções, os grandes meios de comunicação estão promovendo a dimensão religiosa da vida, todavia só estão promovendo a dimensão religiosa e não a vida. Para promover a vida, seria necessário considerar de maneira equilibrada todas as suas dimensões: o ser, o fazer, o conviver, o aprender e, para todas essas dimensões, considerar e valorizar a sabedoria acumulada pela humanidade, nas suas diferentes tradições culturais e religiosas, acrescentando a isso a espiritualidade e a mística, que se expressam de maneira mais autêntica e original em rituais e celebrações religiosas e comunitárias. A religião do indivíduo é uma idolatria, uma farsa do sistema neoliberal, uma falsificação do verdadeiro sentido e significado da religião, que é fundamentalmente comunitária e libertadora. A religião do indivíduo acaba por ser competitiva, egocêntrica e excludente. Procura uma felicidade individual que jamais a encontrará, porque a procura em um deus que a própria pessoa cria “à sua imagem e semelhança”. Quando a pessoa se faz senhor e deus de si mesma, ela tende ao fracasso e ao desespero, por dos motivos: porque a esperança é algo que transcende a realidade humana e social vigentes e, porque a condição humana comporta ambiguidades e contradições. Logo tornar deus de si mesmo a um mundo humano pleno de contradições significa caminhar para o abismo e para a morte.

O rápido desenvolvimento das comunicações deu mais visibilidade às religiões, despertou maior interesse na população em conhecê-las e, quem sabe, em aprender com elas a bem viver, neste mundo excludente e violento. Não é papel da escola fortalecer os laços comunitários de pessoas que possuem uma mesma identidade religiosa, mas é obrigação da escola socializar os conhecimentos culturais e religiosos acumulados historicamente pela humanidade. Se a escola é incapaz de cumprir essa sua função primordial, ela estará fadada ao fracasso e outras instituições haverão de substitui-la, pois ela se tornará inútil e desnecessária.

O ensino religioso pode ser um dos belos espaços de reconstrução ou de reorientação dos rumos que vem sendo dados no atual processo de globalização, a partir dos princípios, dos valores, da ética e da sabedoria presentes nas diferentes tradições religiosas. Assim, faz-se não somente obrigatório, mas também necessário e desejado o Ensino Religioso nas escolas.

O racionalismo científico, a tecno-ciência, o positivismo filosófico e o funcionalismo pragmático que no mundo moderno dominaram as ciências e se colocaram como capazes de libertar a humanidade de todo o tipo de servidão e opressão, não somente não o fizeram como, também, ao anunciarem o fim da dimensão religiosa da vida, acabaram por promoverem, um certo esvaziamento do sentido da vida, pessoas neuróticas, psicóticas, esquizofrênicas, psicopatas, com transtornos psicoafetivos, enfim, incapazes de viver felizes e de contribuir com a felicidade de outras pessoas. A futura sociedade perfeita que este sistema pregava na verdade tem caminhado no sentido inverso. O desprezo pela dimensão religiosa da vida, com conhecimento de causa, com base científica, tem levado a humanidade a multiplicar suas diferentes formas de alienação, opressão e violência. Mais do que nunca a humanidade passa fome. Fome de alimentos, fome de dignidade, fome de felicidade e fome de sentir-se viva.
 Hans Küng, ao falar sobre as “funções elementares da religião”, na perspectiva da construção de uma ética mundial, afirma: “A religião não pode possibilitar tudo, mas ela pode abrir e proporcionar um “mais” em termos de vida humana. A religião consegue transmitir uma dimensão mais profunda, um horizonte interpretativo mais abrangente face à falta de sentido. Ela consegue também transmitir um sentido de vida último ante à morte: sentido de onde vem e para onde vai a existência humana. A religião consegue garantir os valores mais elevados, as normas mais incondicionais, as motivações mais profundas e os ideais mais elevados. A religião pode fundamentar protesto e resistência contra situações de injustiça...” Ana Lúcia Modesto, ao analisar a relação entre escola e religião, afirma: “a religião, em seu papel de eixo organizador da vida sociocultural, não encontrou um sucessor a sua altura. (...) a religião também é uma esfera produtora de conhecimento, e se este saber pode ser falso para a ciência, em muitos casos é eficaz para grupos sociais.”
A obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas
A lei que rege o Ensino Religioso é a de nº 9475/97, artigo 33: "O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.” No seu §2º vemos que “os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do Ensino Religioso."
Esta lei também obriga o Estado a promover a capacitação docente para o Ensino Religioso. Neste sentido vale destacar que, nos últimos anos, vem sendo oferecido por diversas universidades deste país, a partir de projetos ou de apoio do governo federal, cursos de graduação e de pós graduação em Ciências da Religião. É, com certeza, um avanço significativo para o mundo acadêmico, assumir e promover capacitação docente para essa área do conhecimento. Passou o tempo do golpe militar, quando foram extintas disciplinas como filosofia e sociologia, quando foram promovidas apenas as disciplinas das áreas técnicas. É verdade que na atualidade esse questionamento e essa crítica são novamente necessários. Em nosso país, foram oferecidas nos últimos anos centenas de milhares de bolsas de estudo para cursos técnicos e uma ninharia de bolsas para cursos das áreas humanas e sociais do conhecimento. Sabemos que é importante, mas não basta aprender a fazer coisas, é também necessário aprender a bem-viver, é preciso aprender a valorizar as diferentes dimensões da vida de maneira equilibrada. E isso, infelizmente ainda não está sendo assumido pelos sistemas educacionais e pela maioria das escolas e universidades deste nosso país.
Como afirmam Assmann & Mo Sung: “as pessoas precisam mais do que ‘comida e bebida’, precisam se sentir vivas, sentir que a vida vale a pena de ser vivida. E isto tem a ver com os desejos e com as dimensões simbólicas da vida.” Jung Mo Sung afirma que “uma das principais contribuições que as religiões podem oferecer à humanidade hoje é a sua longa experiência de educar para a sabedoria, (...) para as sabedorias de vida que foram se acumulando em tantos anos de tradições. (...) E, uma sabedoria que está precisando ser ensinada e aprendida em todo o mundo é a que nos ensina que não se pode ser feliz e amar a si próprio de verdade se não se é capaz de se abrir ao sofrimento de outras pessoas, se não se é capaz de ter uma sensibilidade solidária.” Penso que quando estas duas teses forem aprendidas pelo ensino religioso ou pela escola e a universidade como um todo, então sim a educação se tornará algo prazeroso e emancipador.
Pe. Dr. Gilberto Tomazi

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