Creio que três motivos fazem com que o Ensino Religioso nas
escolas seja, não somente obrigatório, mas, muito mais do que isso, desejado,
prazeroso e necessário.
Em primeiro lugar destacamos a realidade vigente, na qual
vemos um crescente índice de suicídios, homicídios, etnocídios, massacres e
muitos outros tipos de violência geralmente ligadas ao narcotráfico, à
mentalidade consumista e ao egoísmo; em seguindo, vemos que em não poucos casos
a dimensão religiosa da vida vem sendo manipulada e explorada por inúmeros
agentes empresariais e religiosos invertendo valores e princípios fundamentais
da vida e gerando diversos prejuízos à vida humana, tais como a alienação e inúmeros
outros problemas de ordem psíquica, física, biológica, familiar, comunitária e
social; em terceiro lugar, vemos emergir no mundo acadêmico e científico um
amplo leque de pesquisas e escritos sobre religiões, religiosidades e
espiritualidades; e, em quarto lugar, vemos o nascimento e o fortalecimento de
inúmeras experiências, movimentos e processos de dignificação e de defesa da
vida, de construção de uma sociedade solidária e justa, onde caibam todos; Tanto
para denunciar e refletir sobre a realidade dos dois primeiros enunciados como
para valorizar e promover a dos dois últimos enunciados faz-se não somente
necessário mas, também, de fundamental importância o Ensino Religioso nas
escolas.
Não se trata de catequizar, isso é responsabilidade de cada
tradição religiosa em prol da própria tradição e de seus fiéis. Também não se
trata de promover o proselitismo, isto é, a valorização e a ênfase em uma
tradição religiosa em detrimento das demais. Tampouco trata-se de entrar no
jogo do mercado e de diversos grandes meios de comunicação, oferecendo novas
“mercadorias” para os consumidores de produtos religiosos ou oferecendo
esperanças ilusórias aos que neles acreditam.
Com raras exceções, os grandes meios de comunicação estão
promovendo a dimensão religiosa da vida, todavia só estão promovendo a dimensão
religiosa e não a vida. Para promover a vida, seria necessário considerar de
maneira equilibrada todas as suas dimensões: o ser, o fazer, o conviver, o
aprender e, para todas essas dimensões, considerar e valorizar a sabedoria
acumulada pela humanidade, nas suas diferentes tradições culturais e
religiosas, acrescentando a isso a espiritualidade e a mística, que se
expressam de maneira mais autêntica e original em rituais e celebrações
religiosas e comunitárias. A religião do indivíduo é uma idolatria, uma farsa
do sistema neoliberal, uma falsificação do verdadeiro sentido e significado da
religião, que é fundamentalmente comunitária e libertadora. A religião do
indivíduo acaba por ser competitiva, egocêntrica e excludente. Procura uma
felicidade individual que jamais a encontrará, porque a procura em um deus que
a própria pessoa cria “à sua imagem e semelhança”. Quando a pessoa se faz
senhor e deus de si mesma, ela tende ao fracasso e ao desespero, por dos
motivos: porque a esperança é algo que transcende a realidade humana e social
vigentes e, porque a condição humana comporta ambiguidades e contradições. Logo
tornar deus de si mesmo a um mundo humano pleno de contradições significa
caminhar para o abismo e para a morte.
O rápido desenvolvimento das comunicações deu mais
visibilidade às religiões, despertou maior interesse na população em
conhecê-las e, quem sabe, em aprender com elas a bem viver, neste mundo
excludente e violento. Não é papel da escola fortalecer os laços comunitários
de pessoas que possuem uma mesma identidade religiosa, mas é obrigação da
escola socializar os conhecimentos culturais e religiosos acumulados
historicamente pela humanidade. Se a escola é incapaz de cumprir essa sua
função primordial, ela estará fadada ao fracasso e outras instituições haverão
de substitui-la, pois ela se tornará inútil e desnecessária.
O ensino religioso pode ser um dos belos espaços de
reconstrução ou de reorientação dos rumos que vem sendo dados no atual processo
de globalização, a partir dos princípios, dos valores, da ética e da sabedoria
presentes nas diferentes tradições religiosas. Assim, faz-se não somente obrigatório,
mas também necessário e desejado o Ensino Religioso nas escolas.
O
racionalismo científico, a tecno-ciência, o positivismo filosófico e o
funcionalismo pragmático que no mundo moderno dominaram as ciências e se
colocaram como capazes de libertar a humanidade de todo o tipo de servidão e
opressão, não somente não o fizeram como, também, ao anunciarem o fim da
dimensão religiosa da vida, acabaram por promoverem, um certo esvaziamento do
sentido da vida, pessoas neuróticas, psicóticas, esquizofrênicas, psicopatas,
com transtornos psicoafetivos, enfim, incapazes de viver felizes e de
contribuir com a felicidade de outras pessoas. A futura sociedade perfeita que
este sistema pregava na verdade tem caminhado no sentido inverso. O desprezo
pela dimensão religiosa da vida, com conhecimento de causa, com base científica,
tem levado a humanidade a multiplicar suas diferentes formas de alienação,
opressão e violência. Mais do que nunca a humanidade passa fome. Fome de
alimentos, fome de dignidade, fome de felicidade e fome de sentir-se viva.
Hans Küng, ao falar sobre as “funções
elementares da religião”, na perspectiva da construção de uma ética mundial,
afirma: “A religião não pode possibilitar tudo, mas ela pode abrir e
proporcionar um “mais” em termos de vida humana. A religião consegue transmitir
uma dimensão mais profunda, um horizonte interpretativo mais abrangente face à
falta de sentido. Ela consegue também transmitir um sentido de vida último ante
à morte: sentido de onde vem e para onde vai a existência humana. A religião
consegue garantir os valores mais elevados, as normas mais incondicionais, as
motivações mais profundas e os ideais mais elevados. A religião pode
fundamentar protesto e resistência contra situações de injustiça...” Ana Lúcia
Modesto, ao analisar a relação entre escola e religião, afirma: “a religião, em
seu papel de eixo organizador da vida sociocultural, não encontrou um sucessor
a sua altura. (...) a religião também é uma esfera produtora de conhecimento, e
se este saber pode ser falso para a ciência, em muitos casos é eficaz para
grupos sociais.”
A
obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas
A
lei que rege o Ensino Religioso é a de nº 9475/97, artigo 33: "O Ensino Religioso, de matrícula
facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão, constitui
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental,
assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas
quaisquer formas de proselitismo.” No seu §2º vemos que “os sistemas de ensino ouvirão entidade
civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição
dos conteúdos do Ensino Religioso."
Esta
lei também obriga o Estado a promover a capacitação docente para o Ensino
Religioso. Neste sentido vale destacar que, nos últimos anos, vem sendo
oferecido por diversas universidades deste país, a partir de projetos ou de
apoio do governo federal, cursos de graduação e de pós graduação em Ciências da
Religião. É, com certeza, um avanço significativo para o mundo acadêmico,
assumir e promover capacitação docente para essa área do conhecimento. Passou o
tempo do golpe militar, quando foram extintas disciplinas como filosofia e
sociologia, quando foram promovidas apenas as disciplinas das áreas técnicas. É
verdade que na atualidade esse questionamento e essa crítica são novamente
necessários. Em nosso país, foram oferecidas nos últimos anos centenas de
milhares de bolsas de estudo para cursos técnicos e uma ninharia de bolsas para
cursos das áreas humanas e sociais do conhecimento. Sabemos que é importante,
mas não basta aprender a fazer coisas, é também necessário aprender a
bem-viver, é preciso aprender a valorizar as diferentes dimensões da vida de
maneira equilibrada. E isso, infelizmente ainda não está sendo assumido pelos
sistemas educacionais e pela maioria das escolas e universidades deste nosso
país.
Como
afirmam Assmann & Mo Sung: “as
pessoas precisam mais do que ‘comida e bebida’, precisam se sentir vivas,
sentir que a vida vale a pena de ser vivida. E isto tem a ver com os desejos e
com as dimensões simbólicas da vida.” Jung Mo Sung afirma que “uma das principais contribuições que as
religiões podem oferecer à humanidade hoje é a sua longa experiência de educar
para a sabedoria, (...) para as sabedorias de vida que foram se acumulando em
tantos anos de tradições. (...) E, uma sabedoria que está precisando ser
ensinada e aprendida em todo o mundo é a que nos ensina que não se pode ser
feliz e amar a si próprio de verdade se não se é capaz de se abrir ao
sofrimento de outras pessoas, se não se é capaz de ter uma sensibilidade
solidária.” Penso que quando estas duas teses forem aprendidas pelo ensino
religioso ou pela escola e a universidade como um todo, então sim a educação se
tornará algo prazeroso e emancipador.
Pe.
Dr. Gilberto Tomazi
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