quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Pentacampeã mundial máster faz faxina e distribui panfletos para continuar no judô


Fátima Belboni, judoca máster, foi campeã mundial em 2010


Suficientes ou não, os investimentos em atletas olímpicos no Brasil nunca foram tão altos como hoje. Seja por meio de clubes, patrocínios ou auxílio do governo, os salários podem chegar às centenas de milhares de reais para as estrelas de algumas modalidades, mesmo fora do futebol. Mas se manter exclusivamente como um esportista máster (categoria para veteranos) é uma história bem diferente. É um desafio quase impossível no país.
A judoca Fátima Belboni representa bem essa realidade. Apesar dos cinco títulos mundiais máster, a atleta de 54 anos precisa dividir os treinos com uma série de atividades longe dos tatames, que vão desde trabalhos como faxineira até bicos como panfleteira e passeadora de cachorros. Esta é a única maneira que a lutadora consegue arrecadar fundos para manter treinamentos e pagar campeonatos.
“A categoria máster é muito reconhecida em países como Itália, Alemanha e Japão. Eles incentivam os bons resultados e ajudam os atletas a se manter, mas aqui não temos nada disso. Só se pensa em Olimpíadas. O preconceito com os mais velhos é muito grande no esporte também. Não existem incentivos para nós, mesmo trazendo títulos e bons resultados lá de fora para o Brasil”, lamentou a judoca em conversa com o Esporte Final.


Fátima Belboni, 54 anos, disputou o último mundial máster de judô

Natural de São Carlos, Fátima não teve a oportunidade de representar a seleção em uma Olimpíada. Ainda assim, atingiu grande destaque quando ascendeu à classe dos atletas mais velhos. No judô, o máster pode ser disputado a partir dos 30, sempre dividido em categorias de cinco em cinco anos: dos 30 aos 34; dos 35 aos 39; dos 40 aos 44; e por aí vai. Assim como a classe sênior (onde figuram os atletas olímpicos, por exemplo), o máster também conta com torneios estaduais, nacionais, mundiais, entre outros.
Para boa parte dos atletas desta categoria, as competições servem apenas como um complemento ou até mesmo um hobby paralelo às suas atividades profissionais. Mas alguns esportistas, como Fátima, mantêm o sonho da profissionalização da classe no país.
É por isso que a judoca paulista se dedica aos torneios de judô como atividade prioritária da sua vida. O problema é que esse sonho tem um custo que impediu Fátima de buscar uma carreira fixa por muito tempo.
Os trabalhos da pentacampeã mundial variam de fazer faxinas, carregar entulhos, entregar panfletos para divulgar um salão de beleza no bairro de Perdizes, passear com cães de um Pet Shop, entre outras atividades. Qualquer bico que puder encontrar. Desta forma, Fátima consegue pagar as contas da pensão onde mora e, principalmente, poupar dinheiro para ter condições de competir mundo afora pelo Brasil.
Fátima cumprimenta adversária que a derrotou no mundial em Amsterdã

Foi assim que a judoca pagou as despesas da sua viagem para o Mundial de Veteranos em Amsterdã, há pouco mais de um mês. Além dos salários dos bicos, ela precisou fazer uma rifa de um de seus poucos pertences de valor: uma bicicleta usada.
Quando chegou na Holanda, Fátima não teve a mesma sorte de outras ocasiões em cima do tatame. Inscrita na categoria até 70kg F-5 (de 50 a 54 anos), ela acabou eliminada após derrotas para rivais da França e Grã-Bretanha. Mas o resultado importou pouco para a faixa preta. “Dessa vez não foi o que eu queria. Tudo bem, é só levantar a cabeça para a próxima”.
Apesar da derrota no último Mundial, Fátima tem uma conquista recente para celebrar, que pode mudar sua vida. Ela acabou de concluir a graduação em Educação Física graças a uma bolsa de estudos da Faculdade Flamingo e agora poderá construir uma nova carreira ligada ao esporte. Entre um bico e outro, ela também dá aulas de judô quando consegue, mas agora tem a chance de se aprofundar como uma mestra da arte marcial que tanto ama.
“Seria um sonho ver os atletas veteranos serem mais reconhecidos por aqui. Também temos técnica e podemos competir no alto rendimento se nos dedicarmos. Um dia todos vão ver”, desejou a judoca, emocionada.


POR RODRIGO FARAH

Fotos: Arquivo pessoal da judoca
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