Com taxas exorbitantes e alta inadimplência, cartões de crédito representam fatia expressiva dos lucros das instituições financeiras
- No final da fatura, em uma tabelinha repleta de números, uma informação chama a atenção. Custo total do saque à vista no cartão de crédito do banco Santander: 967% ao ano. Para quem não consegue visualizar claramente quão caro é esse juro, é como se um banco emprestasse dinheiro para que o consumidor comprasse um carro popular de R$ 30 mil em janeiro e em dezembro lhe mandasse a conta da compra de um apartamento de R$ 320 mil.
Mas o leitor pode agora pensar que jamais sacaria dinheiro do cartão de crédito. Pensa mais: que faz os saques tradicionais de sua conta corrente e usa o cartão apenas para fazer compras. Mas, se num mês ficar mais apertado, paga apenas o valor mínimo e vai levando adiante. Esse adiante, entretanto, também sai caro, pois essa dívida começa a ter incidência de juros, no que é chamado no jargão bancário de empréstimo rotativo. Voltando ao caso do Santander, o juro de alguns dos cartões do banco pode chegar a 705,61% ao ano. É menos do que o saque à vista. Em vez de um apartamento de R$ 320 mil, o banco cobraria um de R$ 241 mil.
Segundo dados do Banco Central, um terço das concessões de crédito no cartão no ano passado entraram no rotativo. Foram R$ 26 bilhões, número maior do que o que foi emprestado em crédito consignado ou crédito ao consumo. Do total, quase 37% está com o pagamento da fatura em atraso de mais de 90 dias, ou seja, inadimplentes.
A inadimplência não é preocupante, segundo o BC, porque ela é dividida por toda a carteira, que inclui a dos clientes que pagam em dia sua fatura, cerca de R$ 62 bilhões no ano passado. Logo, o juro também não seria tão elevado, já que ele serviria para o banco fazer frente ao dinheiro que deixa disponível para os clientes pagarem apenas a cada 30 dias e também para fazer frente ao crédito parcelado sem juros.
Se a taxa média fosse de 140% ao ano, dividida pela carteira e descontando a inadimplência, o juro total cairia para 30% ao ano. Mas não é possível saber qual é a média cobrada, nem se os juros vêm subindo, porque o BC não tem esse acompanhamento. Os bancos tampouco divulgam essa informação e se restringem a prestá-las apenas nas faturas de seus clientes.
Uma pesquisa recente do Proteste mostra que o Santander tem os juros mais altos do cartão de crédito, mas não é o único a praticar taxas tão elevados. Basta reunir as faturas de diferentes clientes de diferentes bancos para constatar que os outros grandes bancos privados - Bradesco, HSBC e Itaú Unibanco - têm juros acima de 400% ao ano. É mais que o dobro do juro médio do cheque especial, acompanhado pelo BC.
Os bancos, entretanto, não falam do assunto. Todos foram procurados e enviaram apenas notas informando que cobram juros compatíveis com os riscos e que oferecem opções aos clientes. O Bradesco disse apenas que não comentaria. O Santander, que tem todos os seus cartões com juros acima de 400% ao ano, reforçou que propõe alternativas ao crédito rotativo com juros baixos. Nem mesmo o Banco do Brasil, que tem um dos juros mais baixos - segundo a Proteste, 107% ao ano - fala sobre o assunto.
Se as opções mais baratas são dadas aos clientes, esses números não aparecem nos dados do BC, que mostram que o parcelado do cartão, por exemplo, tem uma carteira de apenas R$ 2 bilhões, ante os R$ 26 bilhões do rotativo.
Lucro dos bancos. Na tentativa de decifrar como a atividade é rentável às instituições financeiras, os analistas do banco americano Goldman Sachs, liderados por Carlos Macedo, fizeram uma estimativa. De acordo com Macedo, usaram como premissas a quantidade de empréstimos no cartão, um juro médio de 120% ao ano (cabe lembrar que em alguns bancos esse juro médio é de 400%), uma inadimplência média de 40% e expurgaram os impostos.
Os números foram surpreendentes. Na média, 10% dos resultados do banco vêm do empréstimo do cartão. O Itaú é o que mais lucra. Do seu resultado anunciado até o terceiro trimestre, 16,7% foi com empréstimos do cartão. No Santander, foi 11%, no Bradesco, 7,4%, e no Banco do Brasil, 6,5%. Nenhum dos bancos comentou - alguns alegaram estar em período de silêncio.
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