A mobilização nacional contra a PEC 215, levou diversas comunidades indígenas a firmar pontos de bloqueios em vários estados do país, durante a última terça-feira, dia 27. Um dos pontos foi a BR-386, em Iraí-RS. Embora o congestionamento causado pela mobilização tenha sido foco dos noticiários, e registrado com respaldo no estado de Santa Catarina, o Cacique Luis Salvador, das Terras Indígenas Rio dos Índios, do município de Vicente Dutra (RS), explicou que a intenção foi chamar atenção para uma luta coletiva. “Estamos defendendo o patrimônio de todos não só dos indígenas”, garante ele.
Segundo o Cacique, os povos indígenas contestam a PEC pelo fato de que ela possibilita ao Congresso Nacional tomar a decisão sobre a demarcação das terras indígenas, tirando do executivo esse poder. Além disso, se a PEC for aprovada, o Congresso terá a possibilidade de promover a revisão de todas as terras indígenas demarcadas historicamente, o que garante também as decisões sobre a exploração das terras indígenas bem como seu arrendamento. Portanto, a PEC 215 abre espaço para que a bancada da bala, para que fazendeiros, pistoleiros, façam o extermínio de quem sempre cuidou da terra como mãe. “Ela é inconstitucional, ela destrói a vida do povo indígena no país. A vida está em risco se chegar aprovar”, defende o Cacique.
Salvador alerta ainda para o perigo que a PEC pode causar a toda sociedade brasileira. “Essa PEC ela é avassaladora. Ela intensifica a criação de grupos de fazendeiros para a derrubada da mata, da Amazônia, que dá vida para sociedade brasileira, é lá que vamos buscar água boa. Se chegar aprovar a PEC pela maior parte que acha que não precisa de terra mãe, toda a saúde da população brasileira será destruída, a vida de todo mundo”, reflete.
“O povo indígena vai parar de sofrer quando tiver uma política adequada para as terras indígenas”
Ao fazer memória as lutas históricas pela terra, o Cacique manteve o posicionamento de que as populações autóctones irão das continuidade as mobilizações contra a PEC. Segundo ele, o governo tem se mostrado indiferente diante das demarcações. “Enquanto que tiver problemas no país, vai continuar a luta dos povos indígenas. O povo indígena vai parar de sofrer quando tiver uma política adequada para as terras indígenas, tendo uma política, ai acaba a fome e a miséria, ela acaba dando vida de qualidade, alimentação, tendo ajuda do governo brasileiro”.
Salvador ainda faz uma crítica aos deputados que votaram em favor da PEC 215 na noite de terça-feira, dia 27. “Não porque eles votaram que vamos ficar olhando pra isso, a qualquer momento estamos articulados. Vamos seguir a luta, a vida é essa, quando nós pensamos no futuro daqui há 100 anos pensamos na vida de todo mundo”, complementou o Cacique ressaltando ainda que na próxima segunda-feira, dia 02, inicia-se um ciclo de conversas com outras comunidades indígenas nos estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, a fim de articular uma grande mobilização contra a PEC 215. “Vamos fazer grande mobilização no país para que essa PEC seja retirada antes de chegar no ‘Supremo’. A gente está se articulando pra isso”, garantiu.
Luta continua após votação
O Conselho Indigenista Missionário (CIMI), também segue organizado no Oeste Catarinense na luta contra a PEC 215. Um dos representantes do CIMI de Chapecó-SC, Jacson Santana, explica que o assunto ganhou proporção há cerca de três anos e a discussão é movida por 80% de ruralistas. “Recordo que no início aconteceram audiências em vários locais do Brasil, na região Sul, aconteceram em Chapecó\SC e em Vicente Dutra\RS, para falar sobre a PEC. No entanto, os convidados foram agricultores, fazendeiros e pessoas que eram a favor da PEC. Os indígenas não foram convidados a participar da conversa”, explica.
Ao ser aprovada na noite de terça-feira, dia 27, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 215/2000, Jacson comenta que a região está em protesto, especialmente pelos deputados que representam Santa Catarina e estão a favor da PEC. “É importante lembrarmos do Deputado Federal Valdir Colatto (PMDB-SC), Deputado Federal Celso Maldaner (PMDB-SC) que votam em favor da PEC e outros mais. Agora vamos acompanhar as próximas votações, acreditamos que será um processo mais longo, mas os indígenas vão continuar se mobilizando para barrar isso. Vai ser uma luta difícil”, avalia.
“Estado contratava pessoas para fazer a expulsão dos indígenas de suas terras”
Ainda segundo o representante do CIMI, os indígenas apostam em um documento importante e que segundo ele, deve ser levado em consideração quando se trata do direito à demarcação do território indígena. Santana detalha que o chamado ‘Relatório Figueiredo’ traz em suas mais de 7 mil páginas, um histórico relevante e que contextualiza atos de crueldade, tortura e matança das populações indígenas. “Ao ler parte do relatório, vemos que o Estado brasileiro contratava pessoas para fazer a expulsão dos indígenas de suas terras a todo o custo”, comenta Santana, enfatizando ainda que muitos dos processos demarcatórios no estado de Santa Catarina trazem em suas exigências a existência de indígenas na data sugerida, no entanto, o documento aponta a expulsão dos índios pelo estado, o mesmo estado que questiona e nega a existência do povo indígena no território.
Informações divulgadas pelo Ministério Público Federal, dão conta que o documento permaneceu desaparecido por 45 anos, ressurgindo no mês de abril de 2013. “Supostamente eliminado em um incêndio no Ministério da Agricultura, ele foi encontrado no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, com mais de 7 mil páginas preservadas e contendo 29 dos 30 tomos originais”.
Em seu conteúdo, o documento faz apontamentos acusatórios a funcionários do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), já extinto, além de fazendeiros e grandes latifundiários. Os documentos foram digitalizados pelo museu do índio\Funai e entregues a Comissão de Direitos Humanos. No site do Museu do Índio, também é possível obter mais informações sobre este importante documento histórico. “O Núcleo do Arquivo do Museu do Índio organizou a documentação - oriunda da sede da FUNAI. Os trabalhos iniciaram com a identificação dos registros e gerou um inventário cujo conteúdo serviu de base para que a Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça localizasse a documentação em tela. O conjunto de documentos recebeu tratamento técnico de higienização e conservação necessário para a sua digitalização”.
Texto: Claudia Weinman
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