quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

“Arredores”: Realidades de um país colonizado e explorado




Foram aqueles que sobraram, aqueles excluídos, fortemente explorados de diversas formas. Foram eles que ocuparam os morros, as margens e formaram o que hoje chamamos de favela. Soldados que, após massacrarem sertanejos e sertanejas na Guerra de Canudos, deixaram de receber seus salários, instalaram-se nos morros com casas de madeira. Um deles, Morro da Favela, chamado assim por causa da planta Cnidoscolus quercifolius, típica da região da caatinga, extremamente resistente à seca, popularmente chamada de favela, faveleira, faveleiro ou mandioca-brava, pois produz a semente leguminosa em forma de favo. É o que conta Jilson Carlos Souza, Educador Popular e membro da Coordenação da Associação Paulo Freire de Educação e Cultura Popular, Apafec, de Fraiburgo, SC, sobre uma das possibilidades de origem das favelas no Brasil.

O fim da escravidão no Brasil em 1888 e a Proclamação da República em 1889, que fizeram com que os negros e negras libertos ficassem desabrigados após os administradores da cidade do Rio de Janeiro tentarem apagar os vestígios de uma cidade colonial e destruírem os cortiços que se encontravam em condições precárias é outra possibilidade. Jilson ainda comenta sobre uma terceira possibilidade, quem vem de São Paulo, em que ao fim da 2ª Guerra Mundial, morros começam a nascer na capital Paulista. “Eram chamados de ‘bairros africanos’, tendo em vista que esses lugares eram habitados apenas por negros e negras libertos e brancos pobres. O surgimento desses morros em São Paulo também ‘visava a modernização’ das zonas nobres da cidade”, explica o educador. 

Atualmente existem cerca de 11 milhões e meio de pessoas morando nas favelas, segundo o censo demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE. Segundo o educador Jilson, as favelas surgem e permanecem por uma combinação de razões demográficas, sociais, econômicas e políticas. “Entre as causas mais comuns estão o rápido êxodo rural, a falta de planejamento urbano, períodos de depressão ou estagnação econômica, a pobreza, o desemprego elevado, a economia informal, o colonialismo e a segregação - racial ou social -, desastres naturais e guerras”, afirma Jilson. 

Outro ponto importante da discussão é a ausência do estado nesses locais, o que acaba abrindo portas para o crime organizado, retrato da falta de prioridade dos governantes com os pobres, como relata o educador Jilson: “A falta de coordenação na burocracia do estado brasileiro nas suas três esferas - união, estado e município - são os principais entraves para a urbanização das favelas”. 

Além disso, o crime organizado alimenta uma das formas de preconceito com quem mora na favela, além de outras formas de discriminação. “A outra e principal tem relação com os pré-conceitos raciais e sociais historicamente construídos pelas elites brasileiras, os quais trazem no seu bojo as seguintes frases tais como: ‘Preto é tudo vadio’. ‘Pobre não presta’ entre outras”, ressalta Jilson.



A favela e a mídia

Um dos problemas relacionados ao controle da mídia por uma parte minoritária e burguesa da sociedade é a falta de interesse em difundir e discutir os reais problemas das favelas, assim como seu lado positivo. “Para a mídia burguesa os pobres, seus problemas e mazelas só são notícias nas páginas policiais, assim essas mídias mantêm, constroem e reconstroem os pré-conceitos existentes em relação aos moradores e moradoras das favelas”, destaca o Educador Popular. 

Segundo Jilson, esta mídia procura sustentar uma retratação falsa da favela, apresentando as periferias como uma grande fonte de lucro para o mercado capitalista, de forma a causar imobilização social evitando que se organizem e lutem por seus direitos. “Passam uma imagem deturpada, onde todos e todas são vagabundos e ou preguiçosos, onde tudo é desorganizado, local de violência e impunidade, ou seja, uma terra de ninguém. Outro aspecto que a mídia burguesa destaca é exploração do corpo da mulher, como um ‘verdadeiro produto’ tipo exportação”, afirma. 



Uma outra comunicação

Apesar de a grande mídia continuar trabalhando por interesses, meios comunitários de comunicação se organizam buscando construir outras formas de comunicar, difundindo os problemas e os aspectos positivos das favelas, como a Pastoral da Juventude do Meio Popular, PJMP, e Pastoral da Juventude Rural, PJR, de São Miguel do Oeste, SC, que vêm construindo meios de quebrar com a visão que as mídias vem propagando. “Para mudar a imagem deturpada historicamente construída pela mídia burguesa, se faz necessário que as organizações sociais e pastorais sociais, como a PJMP entre outras, penetrem nas favelas e contribuam na organização da classe trabalhadora, sem a pretensão de serem salvadores e iluminados, ou seja, as organizações precisam viver, estar e construir alternativas com os moradores e moradoras”, declara Jilson. 

Claudia Weinman, Jornalista Popular e militante, conta sobre a tentativa de comunicação comunitária que as pastorais vêm construindo, em que é necessário possibilitar a visibilidade das realidades ocultas pelo poder da imprensa tradicional, apesar do avanço da mídia conservadora. “O Jornal Comunitário, como é denominado, é construído por jovens organizados da PJMP e PJR. Ele tem sido um instrumento de forte resistência, pois trata de falar sobre a realidade da roça e da periferia, bem como das lutas e enfrentamentos das pastorais e movimentos populares, além de trazer pautas mais específicas sobre os problemas que atingem as comunidades”, destaca a Jornalista. 

O uso desta ferramenta de luta das pastorais vai contra o interesse do capitalismo que atua em desfavor dos povos, entendendo que somente assim é que o povo poderá falar sobre si mesmo, sem esperar generosidade da grande mídia, ressalta Claudia. “A gente sabe que a mídia tradicional não costuma e nem vai divulgar notícias favoráveis a nosso respeito, pois ela está alicerçada em um bloco de poder burguês nacional e internacional que precisa manipular e vender a informação como um produto, capaz ainda, de fazer com que tanto a favela quanto o campo consumam”, afirma. 

Além do Jornal, Claudia conta que fazem uso das redes sociais e de um blog, criando também outras alianças, denunciando o capital e anunciando suas próprias pautas. “Somente conhecendo e vivenciando as realidades é que podemos efetivamente propor mudanças. É preciso sair do berço cômodo das universidades e caminhar pelas margens, onde o povo está”, salienta a militante. 







Relato das margens

Paulo Fortes, de 21 anos, mora na Vila Nova I, nas margens de São Miguel do Oeste, como ele mesmo descreve. Paulo, que é militante da PJMP/PJR, revela que a favela ainda é criminalizada por grande parte da sociedade, além de ser esquecida por órgãos públicos. “Quem mora aqui na favela é muito criminalizado, taxado, é prejulgado, sem antes conhecer já é imposto a quem mora aqui alguma coisa, ou é bandido ou alguma coisa do tipo”, declara. O jovem conta que apesar da dificuldade enfrentada no lugar onde mora, é lá que ele encontra gente verdadeira, que consegue ser feliz com coisas simples. “Favela pra mim significa cultura, significa sonhos, luta. Significa todo dia acordar cedo pra dar duro no trabalho, mas também significa esquecimento, criminalização”, afirma. 

Para Paulo, a realidade atual é difícil de ser mudada, contudo, reconhece que, somente conhecendo os moradores e sua realidade que será possível pensar em mudança: “Só pondo o pé no barro mesmo pra pensar em mudar”. 

O Educador Jilson ainda relata que as favelas precisam aprofundar sua organização para garantir seus direitos sociais básicos, como infraestrutura urbana, sistema de transporte público eficiente e confiável, ruas, escolas e transporte de massa, por exemplo. Ele afirma que a favela é um espaço onde se produz cultura, consciência de classe e de luta. 

Texto: Julia Saggioratto
Fotos: Claudia Weinman
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