Se a realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos no Brasil já não é motivo de euforia e expectativa de novas oportunidades para muitos brasileiros, os grandes eventos demonstraram mais uma vez descompromisso com os trabalhadores do país. Um exemplo é a Medida Provisória (MP) que muda artigo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e prevê a criação de uma nova modalidade de contratação temporária.
De acordo com a proposta do governo, trabalhadores do setor de turismo poderão ser contratados pelo período máximo de 14 dias seguidos, limitados a 60 dias por ano. Não há necessidade de assinar a carteira de trabalho para contratos de até três meses. A ideia é amplamente questionada por sindicatos e trabalhadores, que apontam a subtração de direitos trabalhistas.
Michele Cerqueira, trabalhadora terceirizada que presta serviços nas estações de metrô de São Paulo, se diz desapontada com o evento no país. Ao tomar conhecimento da legislação, ela diz que jamais trabalharia em uma condição como esta, criada para agradar à Fifa e setores empresariais.
“Eu acho totalmente arbitrária, contra a lei. A única segurança que o trabalhador tem é sua carteira assinada. Vai que acontece um acidente, alguma coisa, e, aí, como é que você fica? Como você vai comprovar que trabalhou mesmo esses 14 dias? O povo está tão eufórico, tão extasiado com isso, que não está vendo os pontos negativos”.
A MP foi anunciada no dia 3 de dezembro de 2013 pelos ministros do Turismo, Gastão Vieira, e do Trabalho e Emprego, Manoel Dias. A medida, encaminhada à Casa Civil da Presidência da República, pretende “facilitar” a admissão para trabalhos curtos durante a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Para a criação dessa nova modalidade de contratação será necessário mudança no artigo 445 na CLT. Atualmente a legislação trabalhista não permite que contratos temporários ultrapassem 90 dias, mas todas as contratações devem ser registradas em carteira.
Euforia e enganação
Michele trabalha como operadora de recargas do Bilhete Único. Atenta à armadilha, ela acredita que os promotores dos grandes eventos esportivos se aproveitam do clima de euforia para estabelecer regras que precarizam o trabalho.
“A Copa está aí na porta, as coisas estão sendo articuladas, bem maquiadas para o povo não ver isso, para ninguém tomar conhecimento do que realmente está acontecendo. Todo mundo só está pensando nos jogos, na alegria. Mas não está pensando na massa, no povo brasileiro, quem vai carregar essa responsabilidade nas costas, quem vai fazer o serviço pesado.”
No anúncio da medida, o ministro Gastão Vieira afirmou que a medida é uma das reivindicações mais antigas do Conselho Nacional de Turismo, que é formado por instituições públicas e entidades privadas.
“E essa medida é uma sinalização de que o governo está cuidando de remover aquilo que pode ser removido para que o Brasil efetivamente aproveite os grandes eventos e dê um salto qualitativo em termos de ser um país que recebe turistas.Todos os direitos trabalhistas estão garantidos. A única novidade, digamos assim, é que ele não terá carteira assinada, mas ele será protegido por toda a legislação trabalhista hoje existente.”
Genival Beserra Leite, presidente do Sindeepres, sindicato que representa a classe dos trabalhadores terceirizados e temporários na área de prestação de serviços no estado de São Paulo, contesta a declaração do ministro.
“Se ele não tem carteira assinada, não conta tempo para aposentadoria. E ele precisa ter carteira assinada para contar com Fundo de Garantia, férias, décimo terceiro. Então, realmente ele [o ministro do Turismo] está tentando provocar uma confusão nas pessoas menos informadas.”
Trabalho voluntário
A Federação Internacional de Futebol (Fifa) deve lucrar cerca de R$ 10 bilhões com a Copa no Brasil. O valor é 110% maior do que o obtido na Copa de 2006, na Alemanha. Mesmo assim, a corporação está recrutando quem trabalhe de graça. Uma campanha massiva tenta atrair quase 20 mil voluntários para atuar durante o evento.
Está na mira da Fifa qualquer pessoa maior de 18 anos que tenha disponibilidade para atuar por no mínimo sete dias em turnos de quatro horas por dia. Como trabalhadora e cidadã, Michele Cerqueira se diz indignada com a busca da Fifa por voluntários.
“Deveria ter algum retorno financeiro para a massa, para a população. Deveria ter mais investimento. E agora com a oportunidade de se criar emprego, criar mão de obra, de especializar a gente, qualificar, vai fazer trabalho voluntário? Eu sou totalmente contra”, declara Michele.
Segundo estimativas da consultoria BDO, a Copa no país será a mais lucrativa da história da entidade. O faturamento deve ultrapassar em 36% aos rendimentos obtidos no Mundial na África do Sul, em 2010.
Mesmo com grande faturamento, a Fifa está isenta de pagar uma verdadeira fortuna em impostos. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), o benefício fará com que o governo federal deixe de arrecadar quase R$ 1 bilhão.
Estima-se que cerca de 80% dos gastos com construção e reforma dos estádios da Copa de 2014 serão pagos com verbas ou incentivos fiscais vindos de estados ou cidades-sede do torneio.
fonte: Radioagência NP
Imagem: Sindeepres/Reprodução