segunda-feira, 29 de junho de 2015

Os jagunços do Contestado - por Pe. Dr. Gilberto Tomazi



Depois de ouvir muitos depoimentos de caboclos descendentes dos que viveram em redutos do Contestado chegamos a uma nova conclusão a respeito da guerra dos jagunços. Muitos descendentes dos redutos do Contestado condenam a guerra dos jagunços por causa das violências e atrocidades que eles cometiam. Muitos historiadores tentaram interpretar isso como sendo manipulação ou ideologia do exército, dos vaqueanos e das empresas de colonização e construção da estrada de ferro. Ao interpretar assim, esses historiadores estão dizendo duas coisas: primeira, que os poderosos da época eram tão competentes a ponto de divulgarem uma mentira de tal forma que se tornasse verdade para todos, inclusive para os caboclos do Contestado; segunda, que os caboclos do Contestado, ao reproduzirem essa interpretação sobre o Contestado, são ignorantes e incapazes de ver as coisas como de fato são ou foram. Pura ingenuidade e ignorância dos historiadores!

Sabemos que em meados do século XIX se estabeleceram em serra acima, na região serrana, meio-oeste, planalto norte e oeste catarinense 37 enormes fazendas de criação de gado. Esses fazendeiros ficaram donos das terras por duas razões: porque conseguiam os títulos da terra junto ao governo e porque contratavam e armavam pistoleiros, capangas ou jagunços para fazerem a limpeza da área então invadida. Os antigos moradores, comumente chamados de indígenas, negros e caboclos, eram assassinados, escravizados ou brutalmente expulsos de suas moradias e locais aonde habitavam. Os que conseguiam fugir das atrocidades e violências praticadas pelo jaguncismo contratado pelos “novos donos” das fazendas, procuravam se reunir em agrupamentos maiores a fim de resistirem e procurarem alternativas de vida.

No final do século XIX e início do século XX a região do Contestado era ainda pouco explorada pelas grandes fazendas permitindo assim que em torno de 50 mil pessoas, não escravizadas, fugitivas ou expulsas de outras regiões, habitassem esse chão contestado pelos Estados do Paraná e Santa Catarina. Após concluída a estrada de ferro, foram demitidos e deixados às beiras dos trilhos, sem dinheiro, sem terra e sem comida, cerca de 10 mil operários que trabalharam na estrada. Estes, aos poucos, foram sendo acolhidos pelas comunidades ou redutos existentes na região e com eles passaram a lutar pela sobrevivência procurando junto à natureza o seu chimarrão e o seu alimento cotidiano, junto aos demais uma convivência fraterna e harmoniosa e junto a João Maria uma mensagem de esperança e um exemplo de vida a ser seguido. Sua preocupação maior não era comprar e vender, mas sim viver dignamente.

Todavia, essa realidade passou a incomodar as elites políticas, os donos das fazendas, a Brazil Railway Company (construtora da estrada de ferro), a Southern Brazil Lumber & Colonization Company e outras empresas de colonização da região. Estas, cada uma a seu modo e conforme seu potencial político e econômico, passaram a contratar um número significativo de jagunços para efetuar a “limpeza” das áreas que julgavam ser suas. Lembramos que o governo federal da época ofereceu 15 quilômetros do território de cada lado da estrada de ferro em troca da construção da estrada, não levando em consideração que nessa faixa de terras habitavam milhares de pessoas. A Lumber, instalada em Três Barras, também se apropriou de 180 mil hectares de terras, em uma região onde havia muitos moradores, e devastou a região, expulsando ou assassinando os que ali habitavam. Alguns também foram contratados como pistoleiros da Lumber, somando-se ao número dos aproximadamente 300 jagunços dessa madeireira e colonizadora, boa parte trazidos dos EUA, e armados com as mais sofisticadas armas da época para fazerem a “limpeza” de toda a região, para massacrarem os redutos. 

Desta maneira podemos compreender o que significa a guerra dos jagunços de que tanto condenam e falam os sobreviventes e descendentes do Contestado. Foi uma guerra, ou seja, a execução de um projeto de extermínio, de massacre dos habitantes da região contestada. Os jagunços armados, que geralmente são apresentados nas fotos do Contestado, não são os caboclos dos redutos do Contestado e sim os pistoleiros ou jagunços contratados para matar e para destruir os redutos. É por isso que os velhinhos sobreviventes do Contestado falam de 3 ou 4 categorias diferentes presentes na guerra: por um lado era o exército, mais os vaqueanos e os jagunços e, por outro, eram os caboclos dos redutos de São João Maria, liderados por José Maria, por Maria Rosa, entre outros, a lutar pelo encantamento do mundo, com o auxílio e a força do exército encantando de São Sebastião, de Maria Santíssima e do Divino Espírito Santo.

Pe. Dr. Gilberto Tomazi
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