Por Pe. Dr. Gilberto Tomazi
O município de Pinheiro Preto foi novamente palco de uma das grandes encenações da Paixão de Cristo. O espetáculo coordenado pelo grupo “Amigos de São Pedro” contou com cerca de 60 atores, entre crianças, jovens e adultos que voluntariamente, gratuitamente e graciosamente ofereceram os seus talentos e serviços. A peça, escrita pelo padre Gilberto Tomazi, procurou ser fiel aos textos bíblicos que falam da vida, morte e ressurreição de Jesus. Agradecemos pelo apoio da Administração Municipal, de diversos outros apoiadores e, especialmente da população pinheiropretense e de municípios vizinhos que, mais uma vez, lotaram o Ginásio Municipal, na sexta-feira santa, para ver a maravilhosa apresentação teatral da Paixão de Cristo.
Acompanhamos com grande pesar neste ano, em nossa região, em municípios como Videira e Caçador, a ausência do teatro da encenação da Paixão de Cristo. É realmente triste, municípios de grande expressão econômica, política e educacional, deixarem de valorizar e promover elementos culturais que expressam aa raízes e a riqueza espiritual de seu povo. Faz quase um século que Antônio Gramsci abriu as portas da ciência política para considerar a riqueza das manifestações da cultura popular, mas muitos ainda não aprenderam... Ele dizia que “nas manifestações da vida social e espiritual do homem comum há uma riqueza de ver, de pensar e de dizer, que nem a ciência e nem a política ainda exploraram devidamente.”
O Cristo crucificado e Maria (no caso brasileiro, Nossa Senhora Aparecida) são dois símbolos centrais do catolicismo popular. Presentes em todas as comunidades católicas, nos fornecem um elo de ligação e unidade devocional, capazes de comunicar elementos verdadeiros da tradição cristã. O Jesus crucificado é encenado, pintado ou esculpido em terrível agonia. É um ser humano torturado e padecente. Essas imagens evocam sentimentos de solidariedade e compaixão.
Existem diversas versões artísticas da Paixão de Cristo. Em geral, elas expressam o sofrimento dos derrotados e sua esperança de justiça. Religiosa em expressão, conteúdo e experiência, a encenação da Paixão revela a esperança, a espiritualidade e a coragem dos cristãos espoliados, desprezados, violentados e sofredores. Nela aparecem valores culturais fundamentais que dão sentido à vida de todo o povo. Tal como foi apresentada a encenação da Paixão de Cristo em Pinheiro Preto, na sexta feira maior, percebe-se que a morte não é dona da última palavra. E, que, para além dela, existe algo que comunica força, esperança e entendimento de que o momento presente haverá se ser superado por um futuro melhor. E isso será possível mediante uma autêntica potência produtiva, criativa e artística dos jovens, das crianças e de todo o povo.
Diferentemente do que a maioria dos canais de televisão prega, na paixão de Cristo aparece uma mística, uma espiritualidade do sofrimento e da cruz. Jesus crucificado é o Deus dos derrotados. Os trabalhadores, os fracassados da história se identificam com o Jesus sofredor e vítima dos violentos, dos poderosos e opressores. Esta identificação gera solidariedade e compaixão. A crença na ressurreição transforma esta história de violências e inseguranças em promessa e esperança de vitória. Se Deus pode ser visto como aquele que, por um lado, permite o sofrimento, por outro, Ele é quem leva os sofredores a aprenderem a lidar com a dor, a doença e os sofrimentos, a não desesperarem, a aguentarem até que for possível, a esperarem contra toda a esperança. Na sua Paixão pela humanidade, Deus é misericordioso, perdoa os nossos pecados e assim nos anima a não aceitar o sofrimento, a lutar contra todo o tipo de violência, opressão e agressão à vida humana e também à vida em geral.
Aos poucos, por meio de iniciativas tão fortes e significativas como a encenação da Paixão de Cristo, o próprio Deus vai sendo melhor conhecido. Ele passa a ser visto como um Deus paternal (e maternal), familiar, encorajador, solidário, comunitário, altruísta com relação às vítimas, próximo, zeloso, compassivo. A morte de Jesus, seguida pela sua ressurreição, expressam exatamente o contrário do que parece à primeira vista. Ele não foi derrotado, mas venceu o diabo e todos os seus mecanismos que levam à morte. A sua ressurreição é para todos nós fonte de esperança, festa que antecipada do Reino de Deus. Na paixão de Cristo vivenciamos a integração das dimensões pessoal, comunitária e familiar da vida; e também, da teologia, da espiritualidade/fé e da ação social; onde razão, coração e ação estão intimamente ligados e não podem se separar. A vitória definitiva depende dessa unidade, do equilíbrio e da comunhão de todas as dimensões da vida entre si e com Deus, princípio e fim, alfa e ômega.
Enfim, vale a pena meditar sobre o que Bonhoeffer poeticamente escreveu, logo antes de ser enforcado, a 84 anos, pelos nazistas:
Homens na sua angústia se chegam a Deus,
Imploram auxílio, felicidade e pão;
Que salve de doença, de culpa e de morte os seus.
Assim fazem todos, todos: Cristão e Pagão.
Homens se aproximam de Deus, quando Ele em dor,
Acham-no pobre, insultado, sem agasalho, sem pão.
Vêem-no por nosso pecado vencido e morto, o Senhor;
Cristãos permanecem com Deus na Paixão.
Deus está com todos na sua angústia e dor.
Ele dará de corpo e alma o eterno pão.
Morre por cristãos e pagãos como Salvador,
E a ambos perdoa em sua paixão.
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