De um lado, as indústrias de telhas e caixas d’água. Do outro, os
trabalhadores dessas indústrias expostos ao amianto utilizado na fabricação dos
produtos. No meio, a polêmica sobre a utilização da substância considerada
cancerígena pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Esse foi o tom da audiência pública sobre o tema, realizada no
Auditório Antonieta de Barros da Assembleia Legislativa do estado de Santa
Catarina, na tarde da última segunda-feira (31). O encontro foi proposto pelo
Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho.
“Permite-se a comercialização dos produtos desde que respeitada
uma série de regras. Por isso esta audiência pública para informar fabricantes
e levar à população o conhecimento e os riscos a que estão expostos os
consumidores desses produtos”, ponderou Márcia Lopes, Procuradora do Ministério
Público do Trabalho, que conduziu a reunião.
“Mais de 500 notificações foram expedidas e esta é a primeira
audiência pública sobre o tema”, disse a procuradora. “Infelizmente muitos do
setor produtivo não entenderam essa intenção e não se fazem presentes aqui.
Nosso objetivo não é o enfrentamento e sim trazer informação e promover o
debate sobre esse tema que diz respeito à saúde das pessoas, bem como das
obrigações legais a partir do uso desta substância”, frisou Márcia.
O amianto (crisotila) já foi utilizado em diversos produtos
industriais. À medida que os males à saúde humana pelo contato com a substância
foram descobertos, o seu uso foi sendo diminuído. Devido à exposição às
micropartículas, facilmente inaladas, o uso do amianto é fortemente condenado
pela Organização Mundial de Saúde.
Estudos apontam que ao menos 200 pessoas por ano morrem no país
vítimas do amianto, conforme destacou Luciano Leivas, procurador do Trabalho em
Santa Catarina e gerente nacional do Programa de Banimento do Amianto no
Brasil. “Em Santa Catarina, ao ano, são produzidos quatro quilos de amianto por
habitante. No Brasil são colocados 750 gramas por habitante ao ano no
ambiente”, contabilizou.
Leivas destacou ainda que há um ordenamento jurídico no país que
disciplina o aproveitamento econômico da substância. “Precisamos fomentar o
debate legislativo sobre o tema”, observou. Mais de 60 países já proibiram o
uso do componente. No Brasil, apenas o estado de São Paulo tem legislação
específica proibindo a manipulação e uso do amianto.
Conflito de interesses - Segundo a Associação Brasileira dos
Expostos ao Amianto, as empresas não fornecem dados confiáveis sobre as
consequências à saúde dos trabalhadores da indústria que utiliza o produto.
“Temos um subdiagnóstico. As empresas escondem os dados dos órgãos de saúde”,
denunciou Paulo Lemgruber, advogado da associação.
Especialistas dizem que é perfeitamente possível a substituição
das fibras de amianto por fibras sintéticas sem prejuízo dos materiais,
tecnologia já utilizada por várias empresas desde 2005.
Do outro lado, cerca de dez indústrias produtoras de telhas no
país afirmam que seguem as recomendações técnicas que “prendem” as fibras do
amianto nos produtos, sem riscos aos consumidores. Alegam também que os
empregados do setor são protegidos com o uso da tecnologia.
“É possível a utilização protegendo trabalhadores e consumidores”,
afirmou Eduardo Bismarck, advogado do Instituto Brasileiro do Crisotila. “É o
componente químico mais estudado no mundo. Mais de 140 países utilizam esta
tecnologia”, destacou Bismarck. O uso de amianto diminuiria o custo de produção
das telhas em 10%.
O desembargador do Tribunal Regional do Trabalho, Amarildo Carlos
de Lima, afirmou que o Judiciário está ouvindo as duas partes antes das
decisões sobre as ações judiciais. “O Judiciário em geral e o Judiciário Trabalhista
estão aqui para ouvir. Há muitos interesses e reflexos de ações judiciais que
vão interferir na vida de muita gente. As decisões devem ser muito maduras para
se tomar os melhores caminhos. Se já foi proibido em outros estados e países é
porque existem problemas. Por isso, precisamos discutir”.
Fiscalização e reclamações
Produtores, indústrias e distribuidores estão sujeitos a várias
obrigações dispostas na legislação federal (Lei 9.055) em relação à manipulação
e uso do amianto. O procurador do Trabalho, Luciano Leivas, pontuou a
necessidade de informações sobre os riscos na rotulagem dos produtos, a
mitigação de fontes geradoras de poeira, lavanderias específicas para as
vestimentas dos trabalhadores e o monitoramento das condições da saúde dos
trabalhadores por 30 anos.
O Ministério Público promete intensificar a fiscalização em toda a
cadeia. Por isso, representantes dos lojistas registraram a falta de informação
acerca das obrigações pontuadas durante a audiência pública, afirmando que as regras
valem para mineração e indústria e não para o comércio, conforme a defesa do
advogado Eduardo Bismarck.
Sem legislação em SC - O deputado Neodi Saretta (PT),
presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora, afirmou que a audiência pública é necessária para o
aprofundamento sobre o assunto antes do posicionamento do Parlamento. “Por
isso, a importância desse evento”, destacou.
Darci de Matos (PSD) disse que é preciso achar soluções para o
setor produtivo, preservando a saúde dos trabalhadores. “Tramita desde 2008 um
Projeto de Lei (PL 179/2008) dos deputados Jailson Lima (PT) e Ana Paula Lima
(PT) proibindo o uso do amianto no estado. Não prosperou e neste momento
estaria em diligência. Portanto, Santa Catarina não tem legislação específica
sobre o tema. Devemos preservar a integridade dos trabalhadores, sem esquecer
da importância que este setor produtivo tem para o estado”, ponderou Darci.
Saiba mais
O amianto ou asbesto é o nome comercial adotado para um conjunto de
minerais fibrosos, constituídos principalmente de silicato de magnésio,
utilizado em diversos produtos industriais, principalmente em telhas e caixas
d’água. Trata-se de um material com grande flexibilidade e resistências
química, térmica, elétrica e à tração.
O material é constituído por feixes de fibras extremamente finas e
longas facilmente separáveis umas das outras com tendência a produzir um pó de
partículas muito pequenas que flutuam no ar e aderem às roupas. As fibras podem
ser facilmente inaladas ou engolidas podendo causar graves problemas de saúde,
como asbestose, mesotelioma, placas pleurais, câncer de pulmão, laringe e do
trato digestivo, entre outras. As doenças decorrentes da substância podem
demorar anos ou até décadas para se manifestarem.
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